quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Desassossego


Quando Fernando Pessoa estava escrevendo as pequenas prosas para o Livro do Desassossego não estava buscando falar sobre si, sobre o que ele era. Estava tentando decifrar o que ele não foi.

Falar o que o somos e o que vivemos é muito mais fácil. Basta apenas exercitar a mente lembrando o ocorrido, voltando ao passado. Falar sobre o que não fomos e queríamos ser é mais difícil. Exige criatividade. É preciso inventar o não ocorrido. Construir seqüências de fatos não executados. Criar cenas não realizadas, apenas desejadas.

Escrever aquilo que queríamos ser, pode passar a impressão de que é mais prazeroso. Afinal, vamos estar registrando em palavras os devaneios que circulam em nossa mente. Estaremos colocando no papel um projeto de vida que pensamos e desejamos. Depois de escrito, ao ler o desejado sentiremos uma dor, pois a vida que temos não é aquela que inventamos.

A realidade, por mais dura que seja, precisa ser encarada de frente. Não necessariamente precisamos descrevê-la de uma forma fria, seca, áspera.  A realidade também tem seu lado literário. O cotidiano pode ser expresso por um ponto de vista mais simples e ao mesmo tempo rico. A realidade, diferente do desejo e do sonho que permite a gente voar pelas nuvens, exige, unicamente, que estejamos com os pés no chão. Por uma questão de segurança, claro. Afinal, o chão é mais firme que o céu.

Sertão do Rio Grande do Norte
16.02.2013

Três despedidas


Há tempos não presenciava cenas de despedidas. A separação é dolorida, ao mesmo tempo que pode ser tempo de renovação. O pai e mãe de um jovem, que deve ter uns 17 anos de idade, choravam abraçando seu menino. Este também revelava um pouco de tristeza, porém, era uma tristeza com pintadas de alegria. Alegria pela viagem, por um momento novo que iniciava, por um mundo e estradas que descobriria.

Um jovem beijava sua namorada como se fosse o último encontro. As lágrimas desciam em seus rostos. O beijo prolongava-se na mesma proporção em que as gotas lacrimais caiam encharcando e deixando suculento o encontro labial dos apaixonados. Ela partiu. Ele ficou. Eles partiram. O próximo encontro, incerto. O mundo gira, as horas passam, a vida muda. Mas pelo carinho trocado posso afirmar que buscarão se reencontrar logo.

A mãe junta os dois filhos e o esposo, forma um pequeno circulo, ora. Consigo ouvir alguns sussurros onde a mãe pede proteção à Deus. Solicita que a viagem ocorra de forma tranquila e segura. Bem como, pede proteção ao esposo e ao filho mais velho que não viajariam. Depois, ela beija o rosto de cada um.

Três cenas de despedida. Três ausências diferentes. A dor da partida depende de quem  vai partir e do tempo que a ausência durará. Idas e vindas. Esse é o movimento constante da história humana. A vida não tem graça sem este movimento. Tempo, espaço, relatividade: trinca que decifra a dor e a felicidade da partida. Felicidade, sim. É em busca dela que nos movemos.

Fortaleza/CE
16.02.2013

Na companhia da lua


Poucas as vezes estive tão perto da lua. Muitas viagens em avião, realizei. Nunca a lua esteve ao meu lado como companhia. Os motivos, talvez, pela maioria das vezes não ter conseguido o assento à janela ou pelo simples fato da lua não ter dado o ar da graça.

Estou sentado na poltrona 28F, mas a minha poltrona é a 28E. De Fortaleza à Recife estive entre dois homens. Um loiro, alto, corpudo, não era brasileiro, falava inglês. O outro, um senhor, brasileiro, branco, baixo, cabelos grisalhos, lia uma material sobre filmagens. A poltrona 28F pertencia ao segundo.

Durante a escala no aeroporto do Recife, meus vizinhos de poltrona desceram. Fiquei com três assentos só pra mim. Poucas pessoas subiram ao avião. Nenhum desses poucos passageiros sentou ao meu lado. Assim, mudei para a poltrona 28F.

A decolagem foi autorizada, avião acelerado, céu à vista. Olho pela janela lá está. A lua brilha linda e esplendorosa. Fiquei observando seu brilho. Nunca tinha me sentido tão próximo à ela. Tive vontade de tocá-la. Mas que isso, tive vontade de sentar sobre ela de mãos dadas com o meu amor. Queria cantar as canções de roda que embalaram minha infância e fazer uma grande ciranda com meus irmãos e amigos.

Meus desejos não foram realizados e nem podiam. O avião tinha seu destino. A lua sentindo minhas vontades  resolveu me fazer companhia até à primeira capital do Brasil. Viajou ao lado da minha janela.


26/08/2012
No ar, voando entre Recife e Salvador

Vôo TAM-3891