quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Pelourinho

Ruas estreitas
Pedra sabão
O passado
abraça o presente
A raça de ontem
mantém a riqueza de hoje

Casarões multicoloridos
Paredes multicoloridas
Tambores multicoloridos
Vestidos multicoloridos
Tererê multicoloridos
Cabelos, olhos, peles
Negros, negros, negras

Ladeira
No subir e descer
das cadeiras
Percussão
Marcação
Animação

Bares
Lojas
Livrarias
Cinema
Música
Teatros
Sorveterias
Museus
Igrejas
Cultura e Arte
Sagrado e Profano
Apartheid
Gritamos liberdade

Biblioteca Epifânio Dória: um descaso com a educação e a história sergipana

“Sem recursos, tento fazer aquilo que Epifânio fazia”, disse Pedrinho dos Santos, historiador e guardião do terceiro maior acervo de obras raras do país. A Biblioteca Pública Estadual Epifânio Dória possui mais de 100 mil obras raras, entre estas um livro de 1654 e uma bíblia de 1890. Porém, toda essa riqueza não é valorizada. No passado, a Biblioteca Estadual dispunha de um orçamento deliberado anualmente na Assembléia Legislativa do Estado de Sergipe. Hoje, o seu vínculo orçamentário é com a Secretaria Estadual de Cultura que recebe menos de 1% do orçamento geral do Estado. “Temos que está mendigando. É um protocolo para conseguir uma estante”, disse o historiador.

O setor de obras raras é um dos que mais padece com a falta de dinheiro. Seu Pedrinho, como é carinhosamente chamado o historiador, é o único funcionário do setor. A sua pequena sala, por ele chamada de caixa de sapato, tem um ar condicionado que proporciona uma temperatura agradável, isso porque ele próprio apanhou o aparelho de ar no prédio central do Banco do Estado de Sergipe (Banese). Seu Pedrinho utiliza envelopes usados para conservar e restaurar os livros, pois nem papel é garantido para que seu trabalho seja realizado. Na sala dispõe de um computador moderno sobre um móvel amarelo brilhoso, uma impressora colorida, um aparelho telefônico novo, uma cadeira azul de rodinhas e uma cafeteira eletrônica. Em todos esses objetos pode-se ler PEDRINHO, pois o funcionário comprou todos com o seu próprio dinheiro e guarda as notas fiscais para comprovação.

Foi na ‘caixa de sapato’ que conversamos com Seu Pedrinho. Tomamos um saboroso café. Em meio à conversa folheamos livros antigos e podíamos ver no brilho de seus olhos o amor que tem pela sua profissão. Desde meado da década de 1990, dedica-se inteiramente à organização das obras raras da Biblioteca Estadual. Antes, trabalhava no Arquivo Público Estadual. “Vim para a Biblioteca Estadual em 1996 organizar o setor de obras raras e vou ficar até morrer. Não vou sair mais”, enfatizou Seu Pedrinho.

A Documentação Sergipana é outro setor de destaque da Biblioteca Estadual. Encontram-se 3.100 títulos de livros e 50 títulos de revistas em seu acervo. Em suas estantes podem-se consultar os livros da biblioteca pessoal do crítico literário Silvio Romero e do desembargador Gumercindo Bessa. Todas as obras deste setor são disponíveis somente para consulta.

A maioria do público da Biblioteca Estadual são estudantes em busca de materiais para seus trabalhos escolares. Os livros com os assuntos de todas as disciplinas escolares fazem parte do Acervo Geral Fausto Cardoso. São 7.190 títulos, disponíveis para consultas. Os livros para empréstimos estão no Acervo Circulante Armindo Guarará. Machado de Assis, Jorge Amado, Cecília Meireles e vários outros literatos brasileiros podem ser encontrados no Acervo Circundante. O empréstimo dos livros é concedido mediante o cadastramento. Para isso, solicita-se uma foto 3X4, comprovante de residência, carteira de identidade, um número de telefone fixo para contato e dois números fixos para referências. O cadastrado pode levar até dois livros por semana.

A cultura popular tem seu espaço garantido na Biblioteca Popular. A Sala de Cultura Manoel D’Almeida Neto é toda decorada com o artesanato sergipano. A literatura de cordel tem lugar de destaque. Seu Zezé de Boquim, um dos maiores cordelistas de Sergipe, é quem atende os visitantes. Vizinho à Sala de Cultura Popular, está localizada a Hemeroteca F.A. Carvalho Lima Júnior. Jornais antigos e atuais estão localizados neste acervo. A consulta é permitida e para manusear os jornais antigos utilizam-se luvas e máscaras. O mesmo procedimento é tomado no setor de obras raras e parte do acervo dos documentos sergipanos.

Livros didáticos, literatura infanto-juvenil, atlas e dicionários em braile estão à disposição dos portadores de necessidades especiais. Há também livros falados (áudio book). Segundo a estagiária Iara Gouveia, há um projeto para que as obras deste setor possam está disponível para empréstimos a partir deste ano. Atualmente, é permitida a leitura e a escuta dos áudios books na própria biblioteca.

Todo esse patrimônio cultural e educacional foi construído há mais de um século. A Biblioteca Estadual tem 161 anos. Foi criada pela Lei 233, de 16 de junho de 1848. Foi inaugurada no dia 2 de julho de 1851 e funcionava numa das salas do Convento São Francisco, na cidade de São Cristóvão, primeira capital sergipana. A Biblioteca Provincial de Sergipe, como era chamada há época, iniciou suas atividades com 415 livros, obras doadas pelo então presidente provincial, Amâncio João Pereira de Andrade.  Antiga biblioteca permaneceu no Convento até 1855. Com a mudança da Sede do Governo para a nova capital, Aracaju, teve livros e móveis guardados em salas da Assembléia Legislativa e das Secretarias de Governo até fins do século XIX. O governador José de Siqueira Menezes dotou a Biblioteca Estadual em um edifício próprio em 14 de julho de 1914, onde hoje funciona a Câmara de Vereadores. Permaneceu nesse prédio até 1936. No ano seguinte, foi transferida para o edifício onde hoje funciona o Arquivo Público de Sergipe. No dia 28 de outubro de 1974, no governo de Paulo Barreto foi inaugurado o atual prédio.

Epifânio Dória foi eleito o patrono da Biblioteca Estadual. Dirigiu-a entre 1914 a 1943. Foi um intelectual de permanente contato com fontes documentais, escreveu sobre variados temas da vida sergipana, reuniu preciosas coleções de documentos, livros, jornais e revistas. Enriqueceu o acervo da Biblioteca Estadual. Como homenagem, através do Decreto 2020, de 30 de dezembro de 1970, a Biblioteca Estadual passou a denominar-se Biblioteca Pública Estadual Epifânio Dória.

Infelizmente, o patrimônio histórico e educacional da Biblioteca Estadual não é valorizado. Estamos caminhando para a segunda década do século XXI e toda a catalogação dos títulos da Biblioteca Estadual é feita em fichas. Nada é informatizado. Seu Pedrinho está catalogando as obras raras em folhas de papel em sua prancheta. Há 20 anos o Governo do Estado não compra um livro novo para a Biblioteca Estadual, seu modesto Acervo Geral e Circulante é mantido com doações. Nos acervos e salas de leitura, ventiladores circulam no teto, o calor é um grande incomodo para quem precisa de um mínimo de conforto para trabalhar ou ler. Às 19h, todos os setores são fechados, pois não há funcionários suficientes para o atendimento, quem trouxe o livro de casa pode ficar lendo até as 20h quando encerra o expediente.

A Biblioteca Pública Estadual Epifânio Dória urge uma especial atenção.