quarta-feira, 28 de abril de 2010

Um século de amor

O sapato preto brilhoso que cobria seus pequenos e singelos pés de tamanho número sete foi a única lembrança que ficou de minha amada. Quando voltávamos de nossa lua de mel perdi o controle do carro, a forte chuva e a estrada mal conservada contribuíram para o acidente. Em segundos, vi a linda face de meu amor ser possuída por um susto e um desespero nunca antes visto. Seus olhos vermelhos perderam seu forte brilho. A partir daquele momento permaneceram fechados para sempre.

Aquela linda morena, com 1.50m de altura, pés pequenos, com apenas 30 anos de idade, que acabara de dividir uma noite espetacular comigo, não respirava mais. Seus pulsos não pulsavam. Seu coração não batia. Por um instante, lembrei do primeiro dia que a vi, abaixo da Linha do Equador, radiante como o sol equatorial que clareava Belém do Pará. Sua sensualidade me conquistou com o rodopiar de sua saia florida aos passos do carimbó. Quando dei por mim, não escutava mais sua voz, a menina tagarela, aquela que falava sem parar, em poucos minutos calou-se para sempre.

Hoje, estou em Madri, na Espanha, como tínhamos planejado. Sem a sua presença, o vazio, acompanhado da saudade, guia a minha vida sem sentido. Ao passar no centro histórico de Madri, viajo no tempo e remeto-me a nossa lua de mel em São Cristóvão, uma bela cidade histórica sergipana. Na janela da pousada, ouvíamos a voz inconfundível de Moraes Moreira cantando “Três Meninas do Brasil”. Mas a menina que mais amei não está aqui comigo. Porém, tenho certeza, onde estiver Raquel continua sentido meu amor, pois é verdade, o que bom dura pouco, mas o que é verdadeiro dura um século.

___________________________
Universidade Federal de Sergipe
Comunicação Social/Jornalismo
Trabalho Acadêmico - Produção e Recepção de Texto I
Profª. Mariana Salerno

Tamanho não é documento

Pequena como uma ameixa, linda como uma rosa, assim é a Raquel, mulher por quem sou arretado de paixão. A danadinha é linda de morrer, mas é uma taramela, tagarela demais. Sua língua é maior que uma carreta, em compensação, seus pés são minúsculos como um botão. Ela calça sapatos número sete, isso mesmo, número sete e, olha que ela não é de nenhum país do oriente, é uma cabocla lá da Amazônia, que gosta de tomar açaí, sorvete de cupuaçu e dançar carimbó.

Foi amor à primeira vista, está certo que entre as dançarinas do grupo de carimbó ela foi a última que vi, seus 1.50m de altura fez com que ficasse escondida entre as outras dançarinas, contudo, aqueles olhos vermelhos chamaram minha atenção. Falei pra mim mesmo: mulher de olhos vermelhos deve ser um diabo de mulher. Daí ficamos sintonizados na frequência desse olhar até hoje.

Fui laçado de verdade. Casamos, uso um anel dourado no anelar esquerdo, mas têm horas que queria ser igual aos patos, nasceram de dedos cruzados justamente para não colocar aliança. Eu e meu amor moramos em Madri, na Espanha. Sentimos saudades do Brasil. Sempre olhamos as fotos de nosso casamento. A minha florzinha naquele vestido enorme, cheio de panos, tentando se equilibrar em seus pequeninos pés. Linda e radiante, com 30 anos de idade e um sorriso de menina. Nossa lua de mel foi de fato um mel, nos lambuzamos nos prazeres da paixão, tudo isso por apenas R$100,00. Ainda rolou um delicioso vinho francês, “três meninas do Brasil” na voz de Moraes Moreira como fundo musical acompanhando nossos gemidos que quebraram o silencio que reinava nas ruas estreitas da velha São Cristóvão, em Sergipe.

______________________________________ 
Universidade Federal de Sergipe
Comunicação Social/Jornalismo
Trabalho Acadêmico da disciplina Produção e Recepção de Texto I
Profª. Mariana Salerno

domingo, 4 de abril de 2010

A força que nunca seca

Para quem segue o percurso do rio, ela está lá. Lá no fim do cais. Sua imponência lembra um farol que não precisa de luz, ao contrário, à noite quando as luzes ao seu redor estão apagadas, torna-se o cantinho preferido dos namorados.

Suas raízes expostas demonstram a força de sua história. Foram tantos os outonos que novas folhas floresceram ocupando o lugar daquelas levadas pelo vento. No passado, a praia preferida pelos banhistas do nosso Rio Guamá era à sua frente. Vários foram seus vizinhos, bares e restaurantes que não estão mais por lá. Pontes, tantas pontes de madeira que por lá estiveram fixando uma moradia transitória dependente da força das águas. Hoje, o concreto substituiu a madeira e aos seus olhos brotou uma construção símbolo dos novos tempos. O passado, representado pelas suas raízes e galhos envelhecidos, convive frente a frente com o presente, representado pelo concreto.

Sentar no banco ao seu redor ou na mureta do cais de arrima à sua frente, além de sentir uma brisa deliciosa, podemos assistir de camarote o salto da meninada que curte a adrenalina de pular da ponte. Podemos avistar o movimento dos banhistas nas pedras da antiga cachoeira. Percebemos o passar dos carros, motocicletas e bicicletas que em segundos ou minutos, ao atravessar a ponte estão em outro município. Podemos ver o ônibus da Boa Esperança que, dependendo do sentido que vem, anuncia a chegada ou a partida à Capital.

A árvore robusta é mais que uma árvore. É mais que um ponto de referência. É um ponto de encontro. Degustar aquela cachaça com um grupo de amigos é um programa que sempre rola em seu quintal. Um quintal grande que, num passado recente, nas festas natalinas ganhava companhia da roda gigante, carrossel, autopista e outros jogos; muitas barracas, muita gente. No fim da tarde do dia 24 de dezembro, conseguir um espaço em sua varanda para ver a chegada de São Benedito é uma disputa. Lembro-me de vários brindes de fim de ano que fizemos à sua volta. Momentos que ficaram no passado, registrados na memória. Muitas coisas mudaram. Os parques de diversão já não ocupam mais seu quintal. Os brindes de fim de ano já não se fazem ao seu redor.

É a roda da história dando voltas. E a velha mangueira permanece lá como parte de um cenário envelhecido que se rejuvenesce ao som e ao ritmo das águas do Guamá e ao soar do sino da esplêndida igreja.