quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

A pianista

Ao andar pelas ruas de pedras portuguesas é como voltar no tempo e, ao mesmo tempo, presenciar o presente em seus desníveis e a permanente batalha da vida em não perder o equilíbrio. Assim refletia todos os dias a caminho da casa de Ana, minha professora de piano.

Ana aproveitou sua infância correndo, saltando e brincando nas ruas de pedras portuguesas. Os desníveis que me fazem refletir sobre a vida foram os mesmos que permitiram a ela encontrar o amor pelas notas musicais.

- Cada nota do piano é um desnível, cada acerto um ponto de equilíbrio, gosta de frisar. 

Caminhar pelas ruas de pedras portuguesas, equilibrando-se em um salto alto fino, ajudou a tornear as belas pernas de Ana. Foram suas pernas que começaram a fazer com que eu perdesse o ponto de equilíbrio e me perdesse nos desníveis das notas musicais.

Lembro a primeira vez que Ana sentou ao meu lado. O seu curto vestido azul deixava à mostra seu par de belas cochas. Firme, segurou minhas mãos e levemente as colocou sobre as teclas do piano. Eu não sabia se olhava para as teclas ou para suas cochas. Forcei a concentração, fechei os olhos e comecei a tocar. Manuseava as teclas carinhosamente como se fossem as cochas da professora. Quando estava em meio a minha viagem musical, Ana anuncia que aula estava chegando ao fim. Passou uns exercícios para eu treinar em casa. Despediu-se com um beijo em meu rosto.

As aulas ocorriam as segundas, quartas e sextas-feiras, sempre às 9h. A residência da pianista era um casarão do século XVIII, bem preservado. As aulas eram ministradas em uma enorme sala. Na parede, um grande painel pintado a óleo retratava sua família no jardim do casarão. Ana estava sentada na grama, trajava um vestido vermelho que contrastava com sua pele branca, um laço vermelho e branco na cabeça, seus cabelos pretos estavam cacheados e em seu colo segurava um gato malhado. O pai e mãe da pianista estavam sentados em uma cadeira de madeira, ambos com um sorriso tímido no rosto. Eram de uma família nobre, mas não gostavam de ostentar riqueza nem quando eram retratados. Essa simplicidade também era vista nos móveis da casa. Na sala, além do painel, tinha um armário simples de madeira, uma cadeira de repouso com três lugares, dois enormes jarros com plantas, e o piano. A pianista mantinha a mesma decoração após a morte de seus pais.

Ana era professora na principal escola de música da cidade, onde lecionava à tarde. Casada com um engenheiro civil, seu esposo passava poucos dias em casa, pois sempre estava viajando a serviço do governo federal. O casal não tinha filhos. Ana dedicava seu tempo à música. Os afazeres domésticos ficavam a cargo de Terezinha, sua segunda mãe. Terezinha morava com os pais de Ana antes mesmo que a professora viesse ao mundo.

- Peguei Ana no colo no dia do seu nascimento, relembra.

Assim que saí do casarão, comecei a contar o tempo para chegar quarta-feira, seria meu segundo dia de aula. Fiz todos os exercícios, repetia a todo instante o que aprendi no primeiro dia. A vontade de ver a professora aumentava e o tempo não passava. Os ponteiros do relógio moviam-se lentamente enquanto meu coração acelerava a cada vez que pensava em Ana. Lembrava do vestido azul, das suas cochas, da sua mão sobre a minha, do beijo de despedida no rosto.

O menino de 17 anos tinha encontrado na professora de piano o sentimento que ele classificou de amor. Eu não sei classificar que sentimento era. Mas se naquela idade eu disse a mim mesmo que era amor, então era. Na quarta-feira, fui cantando pelas ruas de pedras portuguesas, o sol daquela manhã estava radiante, o céu estava completamente azul. Vi que um senhor limpava o jardim de uma casa. Pedi a ele uma solitária rosa vermelha que estava em uma roseira próximo ao muro da rua. Acho que o jardineiro percebeu o meu olhar apaixonado e permitiu que eu a pegasse.

Quando Ana abriu a porta do casarão dei-lhe a rosa. Agradeceu com um sorriso e pediu que eu entrasse. Perguntou sobre os exercícios, respondi e fui tratando de mostrar que de fato tinha treinado. Ganhei um elogio e mais um sorriso da professora. Ana usava um vestido preto, um sapato preto com um salto pequeno, cabelos soltos e um batom vermelho de tom claro nos lábios.

Ana sentou-se ao meu lado e novamente segurou minhas mãos para colocá-las sobre as teclas do piano. Segurei firme e não soltei suas mãos. Ana olhou para mim e, assim como o jardineiro, viu em meus olhos o amor. Ficamos olhando um para o outro fixamente. Não resisti e roubei um beijo da professora.

Esse beijo durou seis meses. Ana foi a minha primeira mulher. Junto com o amor que sentia por ela, aumentou também meu amor pelo piano. No primeiro mês, nossos encontros amorosos ocorriam somente nos dias das aulas, depois foi ficando mais intenso. Queria ter aquela mulher de 35 anos mais perto de mim todos os dias. Quando o esposo chegava de viagem era sofredor. Somente assistia às aulas. Às vezes, ligeiramente, passava a mão em suas pernas. Quando ele viajava, os dias eram de festas e alegrias.

Era uma sexta-feira de primavera, aperto a campainha e quem abre a porta é Terezinha. Comunica que não haverá aula, pois a professora estava a caminho do porto com o marido, ia viajar e não tinha data para retornar. Saí desesperadamente correndo para o porto. Pela primeira vez não dei atenção aos desníveis das ruas de pedras portuguesas. Corria sem parar. Queria entender o motivo da viagem.Por que Ana não me informou? Alguma coisa estava errada. Ao chegar ao porto o navio estava partindo. Ao me ver, Ana acenou. Seu marido também me viu. Ele a abraçou e a levou para outra parte do navio, longe do meu olhar. Eu apenas chorei.

sábado, 12 de novembro de 2011

Sábado

Sol ou chuva.
Nada me importa, nem me incomoda.
Hoje é sábado.


Que venham os raios solares.
Quem venham os pingos das chuvas.
Só peço uma coisa.
Deixem o meu sábado desfilar na avenida.
Afinal, foram 6 dias de espera.

domingo, 23 de outubro de 2011

É tempo de fazer o caminho inverso

Às vezes tenho a sensação de que já vivi o presente momento. Bem como, quando retorno a minha cidade fico a passear por ela em uma busca das impressões da minha infância. Mas não as encontro. Não sei o motivo. Não sei se elas desapareceram de vez ou eu não as procurei no lugar certo.

Assim que estou me sentido. Passando por um momento já vivido. Com muita dúvida em ir ao encontro do futuro, com medo de encontrar o passado e nessa soma não conseguir chegar a formula do presente.

Mas nunca deixei de fazer aquilo que quis. Nunca tive medo de errar, nem medo de não encontrar a fórmula certa. Minha única preocupação é se estou no tempo certo para isso. Tem horas que pensar um pouco mais é a melhor tática, mesmo que a estratégia siga em movimento.

Preciso confiar no meu passo. É tempo de maratona e não de corrida de 100 metros. É preciso correr devagar e correr muito. Nada de corrida contra o tempo, não estou competindo com ele. Faço dele meu aliado. Não estou aqui para dividir, estou em fase de somar. Já dividi e subtrai na hora certa. Agora vou fazer o caminho inverso. Espero está somando na hora certa também.

Somar é muito mais complicado. Afinal, quando você divide e subtrai, você separa. Separa porque você quer um tempo para você. Quando você adiciona, você quer um tempo para juntar seu tempo com o tempo do outro. Você já não pensa mais no seu eu. Você passa a pensar por dois.

Pensar por dois é bem melhor quando o outro permite você pensar por ele. Quando você pensa por dois sem a autorização do segundo não é nada bom. Mas não é esse o meu problema. Meu problema é saber se já é tempo de pensar por dois. Se esta é a hora certa de fazer o caminho inverso e voltar a fazer soma.

Sigo pensando. Afinal, decisão como essa exige reflexão. Refletir não faz mal a ninguém. Só não posso deixar o tempo dominar minha reflexão. Pois, antes de passar a pensar por dois, a melhor coisa é aprender a controlar o tempo.

Tempo, tempo, tempo. É tempo de fazer diferente. 

Abraço partido

Eu, sentado no chão. Você me abraça fortemente por trás.
Isso basta para saber que você estará partindo.
Todas as vezes que você vai embora, só me resta ouvir Cazuza.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Pela estrada...

As estradas seguem sentidos muitas vezes indecifráveis a nossa lógica formal. Achamos que os sentidos norte-sul leste-oeste por si só explicam tudo. A vontade de chegar, bem como a vontade de partir, faz com que nos preocupemos com o sentido linear das rodovias. Uma camada de asfalto sinalizada ao meio com listras amarelas, hora continuada hora espaçada, listras brancas em suas bordas, em sua faixa de terra lateral placas verdes com letras brancas indicando lugares que não nos interessam, pois o sentido para nós é linear, é reto, nada de curvas, nada de esquerda e direita, nada de lombadas e sonorizadores, nada que atrapalhe nosso percurso, desvie nosso caminho.

Quando você não está ao volante o sentido linear desaparece. Você consegue perceber o verde da mata, um rio que passa ao lado, um pássaro que voa no horizonte. Primeiro porque o tempo parece não passar, segundo porque à sua frente novas paisagens são feitas e desfeitas, o imperceptível passa a ser observado. Casas, comércio, animais, arvores e pessoas. Elementos não observáveis pelo condutor ganham notoriedade pelo passageiro ao lado, pelo simples fato de que este passageiro também não é percebido por aquele, afinal, você está ao lado dele e não à sua frente. Quem conduz que chegar e é para frente que se anda e olha.

Tentei ficar 15 minutos olhando para frente como se fosse eu o condutor. Tempo suficiente para receber mais de 20 ordens e avisos. Velocidade máxima 80km, proibido ultrapassar, lombada a 500m, inicio da 3ª faixa, término da 3ª faixa, curva à direita, curva à esquerda e outros recados oficiais. Depois do teste olhei ao lado direito e vi uma casa branca no topo de uma colina, parecia uma casa que desenhava quando criança, um coqueiro ao lado, o vento balançando suas palhas sem cumprir nenhuma ordem sem receber nenhum recado oficial. Se eu estivesse ao volante não teria recordado um momento tão bonito da minha infância quando transmitia minha ingênua forma de ver o mundo de maneira colorida e bucólica em uma página de papel sulfite.

Olhando ao lado esquerdo observei um enorme lago onde o sol espelhava seu brilho em uma tarde de agosto. Minha amiga que conduzia o veículo continuava vendo somente o asfalto e suas linhas amarelas e brancas, o movimento linear a obrigava ver apenas carros e carros.

Comecei a refletir sobre a liberdade. Até onde nossas descobertas proporcionam maior liberdade? Quem é mais livre, nós ou arvores, ou os pássaros? Até onde a liberdade de locomoção proporcionada ao homem pelo automóvel não é uma cegueira que o impede de ver as cores do mundo, pior que isso, o impede de ver o outro homem que está ao seu lado? As aves voam no céu e não precisam de leis de trânsito, placas e sinalizações, por que nós dotados de consciências precisamos de leis para tentar conviver o mínimo em sociedade?

Nossa liberdade é de fato pequena, restrita e controlada. Está dentro do automóvel não basta, temos que seguir dentro da linha amarela para seguirmos em frente e vivo. São os homens e suas contradições, contradições essas que fazem do homem um ser livre. Livre para inventar o automóvel com a pretensão de voar, mas não tão livre como os pássaros, pois diferente destes, os homens precisam de linhas amarelas e brancas e placas verdes para controlar seu voo.

É Gilvani. Siga no volante, afinal quero chegar a Aracaju. 

15 de agosto de 2011.
BR-101
Trecho Alagoinhas/BA à Aracaju/SE

domingo, 24 de julho de 2011

Esqueça-me

     Tudo o que eu buscava era a felicidade.
  Quanto mais eu a procurava mais se escondia de mim. Cansei dessa brincadeira. Deixei a felicidade de lado.
   Passado alguns dias, ela veio atrás de mim. Simplesmente respondi:
   - Esqueça-me. Já encontrei aconchego com a solidão.

Tarde demais

   Quando eu descia a ladeira, ele assoviou pra mim. Queria olhar, mas meu orgulho falou mais alto.
   Quando eu subi a ladeira esperava ouvir seu forte assovio. Não teve.
   Olhei tarde demais. Sua boca estava ocupada com outra boca.

sábado, 23 de julho de 2011

Marcas

A chuva que limpa é a mesma que suja
              lava minhas marcas e me deixa nua
                      devolva minha história
                                     limpe outro corpo.

sábado, 14 de maio de 2011

Palavra gostosa

Senti a necessidade de escrever um texto. Colocar para fora alguma coisa que me atormentava, sufocava fortemente. Sentei à frente d0 computador, a vontade de escrever não ia embora, da mesma forma que as palavras não vinham. Resolvi vasculhar minha mente em busca de letras soltas, no intuito de formar palavras. Tentativa em vão.

A angústia pela escrita acelerava. Meus dedos precisavam sentir a textura do teclado. Eu precisava libertar o que me aprisionava. Passeando, vi uma palavra ao lado esquerdo do meu cérebro. Fui em sua direção. Quanto mais de pressa eu caminhava, mas distante ela ficava de mim. Em pânico comecei gritar por ela, a chamar: palavra, palavra, palavra. Chamei, chamei chamei...A falta de sua atenção começou a transformar meu pânico em ódio, por impulso gritei:

- Foda-se!

Aquela palavra que deslizava pelo meu cérebro, como patins em pista de gelo, que poderia ser o remédio para a minha aflição, virou-se para mim e olhou, olhou, olhou...disse de uma forma inesperada:

- Vamos juntos!

Fiquei sem ação, fiquei sem palavras para escrever meu texto e sem palavras para responder ao ousado convite daquele fonema. A sorte que meu cérebro ainda funcionava. Pensei, pensei, pensei...olhei firme nos olhos pretos que decoravam o fino rosto daquela palavra. Não resisti. Aceitei o convite. Confesso: foi bom demais.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Maria Bonita: 100 anos da guerreira do cangaço


Entre os dias 23 e 26 de março, aconteceu na cidade de Paulo Afonso/BA, um seminário internacional em comemoração ao centenário da primeira mulher a participar de um grupo de cangaceiros. Apresentações folclóricas, lançamentos de livros, peças, exposições dos pertences usados pelos cangaceiros e fotografias fazem parte da programação que segue durante todo o ano.

A Conferência Internacional das Mulheres realizada na cidade de Copenhague [Dinamarca] em 1910, organizada pela Internacional Socialista, aprova a proposta da socialista alemã Clara Zetkin, de instituição de um dia internacional da mulher. No dia 8 de março do ano seguinte, nasceu Maria Gomes de Oliveira, a Maria Bonita, uma mulher símbolo da coragem e da ousadia.

A guerreira do cangaço rompeu com as regras do seu tempo, uma época marcada por um forte machismo e dominada por um homem rude, violento e metido a ‘valentão’. Aos 18 anos, juntou-se ao bando de Virgulino Ferreira, o Lampião, formando com este, o casal mais famoso de cangaceiros.

Alguns pesquisadores afirmam que Maria Bonita não defendia nenhuma causa especifica e nem tinha inclinações politicas, entrou para o grupo de cangaceiros por amor a Lampião, versão essa defendida por João de Sousa Lima, membro da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço [SBEC], autor dos livros ‘A trajetória de Maria Bonita, a Rainha do Cangaço’ e ‘Moreno e Durvinha, Sangue, Amor e Fuga no Cangaço’.

Mas o próprio Lima reconhece que guerreira ou não, Maria Bonita foi uma mulher valente, quebrou parâmetros, pois o simples fato de ela se juntar a um grupo de homens que viviam à margem da lei bastava para chocar a sociedade de então.

O cangaço, a seca e o latifúndio
Mesmo se Maria Bonita nunca deu um tiro, não matou nenhum soldado da “Volante” e não realizou nenhum assalto, ela foi revolucionária. Preferiu se arriscar no mundo ao lado do homem amado do que viver uma vida de incertezas, conformismo e infelicidades.

A atitude tomada por uma jovem de 18 anos que resolveu seguir um bando de cangaceiros é consequência do meio social em que vivia. Maria Bonita nasceu no sertão, no interior da Bahia, filha de Dona Déa, uma sertaneja como outra qualquer, mãe de 11 filhos. Junto com seu povo vivia o flagelo da seca, a fome do sertanejo e o privilégio dos latifundiários.

Seu amor por Lampião é o amor pela esperança de dias melhores. Como afirma o texto no site oficial sobre o acervo do cangaço, “quando a morte passa a ser sua companhia diária o homem reage. Alguns se entregam ao desespero, à passividade e ao desalento. Outros, de índole mais agressiva, revoltam-se e pegam em armas. Os que não têm nada querem alguma coisa; os que têm pouco querem mais, muito mais, pois o coronel está séculos à sua frente”

Procurar entender quem foi Maria Bonita é buscar compreender o que foi o cangaço. O cangaço, assim como Canudos, foi um movimento que questionava a estrutura vigente baseada no latifúndio, na expulsão do sertanejo de suas terras, da exploração da sua força de trabalho, da fome e da seca que eram submetidos.

O cangaceiro são homens “sem outras alternativas e sabendo que esse estado de coisas continuaria os grupos de rebeldes procuraram em si mesmos os meios para tentar mudanças, instigados pelo analfabetismo, pela fome, pela falta de futuro melhor, pelos anos sucessivos de seca, pelo descaso das autoridades e pela participação, muitas vezes infeliz, da Igreja Católica. O sertão é, por natureza, adverso ao homem que ali tenta viver.” [Site Oficial do Acervo do Cangaço].

Maria Bonita não seguiu Lampião somente por amor, seguiu porque era uma sertaneja que não aceitava mais a situação de seu povo. Podemos questionar o método de luta utilizado pelos cangaceiros, mas não podemos questionar a coragem de quem em meio à seca e a fome manteve-se em pé para lutar.

Guerreira sim!
Brincou de boneca, casinha e ciranda. Namorou, casou, descasou e casou de novo. Com Lampião, seu segundo esposo, teve três filhos – Expedita Ferreira Nunes, a única ainda viva, 78 anos, mora em Aracaju/SE, e os gêmeos Arlindo e Ananias Gomes de Oliveira. Maria ingressou ao cangaço jovem e foi assassinada aos 27 anos ao lado de Lampião e oito cangaceiros, em 28 de julho de 1938, em Poço Redondo/SE. As cabeças foram cortadas e expostas aos sertanejos na escadaria da Prefeitura de Piranhas, em Alagoas.

Os cangaceiros foram dizimados, mas a seca, a fome e o coronelismo continuam no nordeste. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios [PNAD] de setembro de 2009 revelou que 908 mil cearenses viviam em extrema pobreza, isto é, miséria absoluta. Quase 11% da população do Ceará se mantinham com R$58 mensais. De cada 100 pessoas com faixa etária entre zero e 13 anos, 18 viviam em situação de extrema pobreza no Ceará. Vale ressaltar que esses dados colocaram o estado do Ceará em terceiro lugar no rol dos estados em termo de miséria. Em Pernambuco e na Bahia a situação é pior. Esses dois Estados ficaram em primeiro e segundo lugar no rol da miséria, respectivamente.

Que o seminário internacional, realizado em Paulo Afonso/BA no final do mês passado, não tenha sido um evento somente para celebrar o centenário da Maria Bonita, mas para despertar as mentes e os corações dos sertanejos sobre sua realidade. O terreno que germinou Maria Bonita ainda esta lá, esperando novas sementes. Quem sabe o seminário internacional ajude a brotar uma nova Maria. 

domingo, 13 de março de 2011

Passeando com Capote



Assim como existe amor à primeira vista, posso afirmar que há amor à primeira lida. Foi assim que nasceu o meu amor pelo escritor americano Truman Capote. Ao ler seu romance de não ficção A Sangue Frio [1966], um dos maiores livros do século XX, fui fisgado pela sua escrita literária, descritiva e envolvente. Você começa a ler e continua lendo como se estivesse vendo a cena, uma fotografia do cenário é construída a sua frente e você se sente como se estivesse na estória.

A palavra brilhante é pequena demais para classificar Capote. Não sei se encontraria uma palavra com esse poder. Mais uma coisa é certa, conforme consta na apresentação do livro Ensaios [2010], talvez nenhum escritor do século XX tenha sido tão observador e elegante quanto Truman Capote ao retratar seu tempo.

No inicio do mês de fevereiro, viajei para Paulo Afonso/Bahia, uma linda cidade cravada no meio do sertão. Foram 5h de viagem. Aproveitei o tempo para ler Ensaios. A cada ensaio lido, mas fascinado ficava com Capote. Os primeiros ensaios do livro são sobres viagens por ele realizadas. A forma como descreve cada lugar, objetos e pessoas, vai passando um filme em nossa cabeça. Começamos ver as cenas como se estivéssemos em frente à TV assistindo uma novela, com personagens que falam à sua frente.

A minha amizade com Capote vem amadurecendo. Não posso afirmar que somos amigos íntimos, mas posso dizer que já somos bons amigos. O que me fascina em Capote não é o conteúdo de sua escrita, não que tenho desprezo por ele, mas a forma como descreve seu conteúdo. A sua escrita elegante, às vezes irônica às vezes triste, sem pedantismo, é o que nos une.

Em Paulo Afonso visitei lindos lugares, tomei banho nas cachoeiras do Velho Chico, conheci novas pessoas. No intervalo de descanso pegava meu livro e começava a viajar junto com Capote em suas viagens descritas nos ensaios. Eu tinha agendado um passeio de catamarã pelas águas azuis do Rio São Francisco. Em meio à leitura de um dos ensaios, resolvi levar Capote comigo para o passeio. Achava que tinha por obrigação leva-lo comigo, pois em seus ensaios, com sua escrita, já tinha viajado com ele para vários países e cidades americanas. Era a minha vez de retribuir. Assim fiz.

Tenho certeza que Truman Capote faria um belíssimo ensaio sobre o nosso passeio. Com suas palavras o Velho Chico, suas águas límpidas e seus grandes canyons, ganhariam um novo significado. Como Capote não está vivo cabe a mim esse desafio. Irei escrever, ainda não sei quando. As ideias ainda fermentam em minha mente.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Pierrô

Na terça-feira de carnaval, estava atravessando umas das pontes do Recife Antigo, vi que tinha uma pessoa sentada em um banco na beira do cais, com a cabeça baixa, triste. Olhei. A pessoa olhou para mim. Continuou sentado. Eu o reconheci. Era o Pierrô.

Ao chegar no Marco Zero entendi a tristeza do palhaço. A Colombina rodopiava, abraçada, cheia de felicidades com o Arlequim.

sábado, 5 de março de 2011

Colombina

Ontem na primeira noite de carnaval em Recife, olhava para todas as pessoas à sua procura. Em todos os rostos eu só via você, mas ao mesmo tempo, nos rostos carnavalescos, não via suas palavras, sua escrita, sua música. Logo despertava e saia como Pierrô em busca da sua Colombina.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Reserva III

Apito, juiz, grama, bola.
Você, fora!

Reserva II

Chuteira limpa. Camisa enxuta. Linha oposta.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Reserva

Pés em repouso.
Sentado, observando, querendo.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Telefone mudo

Cheguei em casa às 21h. Tomei banho, deitei no sofá, esperei o telefone tocar. Dormi sem ouvir sua voz.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A escrita e a angústia

A sua escrita existencialista revela uma pessoa que busca explicações sobre quem e o que somos, o que fazemos, para onde vamos, o que e quem nos move. Perguntas pequenas que exigem grandes respostas. Respostas nada impossíveis de serem alcançadas por um jovem que se auto-define do tamanho da soma de tudo aquilo que absorve.

Nunca ouvi sua voz. Mas li e senti suas palavras carregadas de um brilho semelhante ao alargador prateado enfiado em sua pequena orelha. As palavras são sua voz, mas sem som. Isso não importa, apesar de ter uma paixão pelas palavras faladas, as suas permitem ouvir uma voz, pode até não ser sua voz, pode ser a voz da palavra.

Blog, diário e livros. Três coisas importantes na vida de um jovem estudante de Letras, da Universidade Federal de Alagoas [UFAL], que trabalha e anda em ônibus lotado como eu. Apesar de sermos separados geograficamente pelo Rio São Francisco, a história construiu uma ponte que os une. Nesse caso, o amor pela palavra – escrita, falada, cantada. Eu cursando Comunicação Social/Jornalismo na Universidade Federal de Sergipe [UFS], ele Letras na UFAL, fomos entrelaçados pela busca de palavras a serem lidas, consumidas, saboreadas, interpretadas e reescritas.

Fomos presos em celas diferentes, no presídio chamado palavras. O alagoano tem Clarice Lispector e Alice Ruiz como parceiras de cela. Machado de Assis e Truman Capote são os meus. Isso não quer dizer que não tenhamos outros amigos, nada disso. Mas a gente sempre tem aquele amigo com quem dividimos nossos segredos mais íntimos. Vira e mexe brincamos de trocar de amigos, mas só por alguns dias. No dia livre, onde todos os presidiários concentram-se no enorme pátio de cores azuis, rodeado de bancos de cimento coberto com uma tinta amarela, vira uma grande feira literária. É um troca-troca de livros, rodas de conversas, debates e mesas de discussão. Um dia de festa que inicia ás 8h e termina ao pôr do sol. Ao voltar para cela, sempre vamos de mãos dadas com os novos amigos que adquirimos durante a feira e com os olhos cheios de lágrimas ao ver velhos amigos irem embora. Uns para sempre, outros por apenas alguns dias, até a próxima feira que rola todas as sextas-feiras.

Como eu e o alagoano estamos em selas vizinhas, nossas conversas e debates são permanentes. Tá aí um vizinho que quero para sempre ao meu lado, apesar de seu existencialismo “meio doentio” que reflete em seu escrita e em sua angústia. Nada que uma dose de Rubem Braga não contorne a situação.   

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Seu Genésio

  Todos os dias, cedo da manhã, Seu Genésio estava na padaria da esquina comendo um pão francês e tomando um café quentinho.
  Hoje, Seu Genésio não estava. O dono da panificadora informou que ele tinha ido conversar com Deus.

Inferninhos

   O provincianismo esconde, ou finge esconder, cenas que são realizadas na calada da noite.
  Por trás daquele lindo paisagismo dos bares da orla, escondem-se inferninhos onde tudo é permitido fazer.
   Foi em um desses inferninhos que conheci Valquíria. Morena, 26 anos, sem nenhum pudor. Sentada à mesa em frente ao balcão, usava um vestido azul, sem nada por baixo. Cruzou as pernas duas vezes, deixando à mostra uma buceta lisa de lábios grossos. Assim, entendi o ditado;
   - Tá no inferno, abraça o capeta!

Súlplica

A lua cheia refletia nas ondas que quebravam na praia. Sônia bebeu mais uma dose de cachaça, caminhou alguns passos e suplicou ao mar:
- Devolva meu pescador.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O leitor

Da janela da sua casa podíamos ver o reflexo dos raios solares no verde do capim coberto pelo orvalho. Na varanda, uma rede grande e colorida fazia companhia a uma cadeira de balanço branca onde aquele homem sentava para ler livros, jornais e revistas.

Ler era um hábito adquirido desde criança. Incentivado pela mãe, uma excelente professora do primário, trocou os brinquedos típicos da infância por livros, revistas e jornais. O carrinho foi substituído por papel com letras impressas. Na sua casa de campo, mantém uma biblioteca particular com livros de escritores atuais e também algumas obras raras de autores consagrados. Jornais e revistas também fazem parte da sua coleção.

- Ainda hoje, guardo a primeira edição que li do Jornal do Brasil, aos meus 15 anos, na primavera de 1970, quando conheci a Cidade Maravilhosa. Comentou, encaixando seu óculos de aro prateado sobre seu fino nariz, refolhando as páginas meio amareladas de umas antiga edição de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” [Machado de Assis].

Os cinco dias que passei em sua casa de campo, observava minimamente os movimentos daquele homem que encontrou nas palavras uma forma de desvendar o mundo e também de desaparecer dele. Quando sentava na sua confortável cadeira de balanço, abria um livro, um jornal ou uma revista, parecia que tudo desaparecia ao seu redor. O canto dos pássaros, o som emitido pelo chocalho da vaca leiteira e o latido dos brabos cachorros não o incomodava. Parecia que estava em transe. Só existia ele e o papel a ser lido, decifrado, devorado.

Quando despertava era para ir ao banheiro que ficava nos fundos da casa, feito de madeira. Uma porta dava acesso ao vaso sanitário alvo como os azulejos que decoravam o interior do ambiente. No chão, tinha um porta-revista de ferro pintado com uma tinta suave quase rosa, pois até nesse momento a leitura estava presente.

Seus olhos castanhos só não degustavam palavras em dois momentos, quando seu dono estava dormindo ou tomando banho. Dormindo eles estavam fechados, esse momento era hora do inconsciente degustar daquilo consumido pelo consciente. Na hora do banho, não lia, cantava. Logo cedo e ao final da tarde, do aposento para banhos, podia-se ouvir sua voz meio rouca e dissonante. Esse era um dos poucos momentos em que o professor não consumia palavras, arrotava.

A leitura era sempre presente. A sua amada, a quem chama carinhosamente “Florzinha”, contou-me em segredo que até na hora da relação sexual, seu amado lia ou declamava a ela poesias. “Florzinha” recitou na íntegra a composição poética lida por ele à primeira vez que fizeram amor.

- Foi no verão de 1975. Ainda cursávamos o curso de Letras na Universidade Federal de Minas Gerais. Tínhamos ido com um grupo de amigos da universidade para Porto Seguro na Bahia.

Calou-se por um instante, olhou pela janela, observou seu amado com um livro nas mãos, cabeça encostada em um travesseiro verde claro com bordados amarelos. Chamou por ele, roubando-o por alguns minutos do seu enlace com a leitura e, com sua voz suave recitou:

Já és minha. Repousa com teu sonho em meu sonho.
Amor, dor, trabalho, devem dormir agora.
Gira a noite sobre suas invisíveis rodas
e junto a mim és pura como âmbar dormido...
Nenhuma mais, amor, dormirá com meus sonhos...
Irás, iremos juntos pelas águas do tempo.
Nenhuma viajará pela sombra comigo, só tu.
Sempre viva, sempre sol... sempre lua...
Já tuas mãos abriram os punhos delicados
e deixaram cair suaves sinais sem rumo...
teus olhos se fecharam como
duas asas cinzas, enquanto eu sigo a água
que levas e me leva.
A noite... o mundo... o vento enovelam seu destino,
e já não sou sem ti senão apenas teu sonho...

Completou:
- Pablo Neruda.

Ele sorriu meio tímido. Fez um gesto com a cabeça como se estivesse dizendo obrigado. Mas acho que deve ter dito eu te amo, pois sua “Florzinha” respondeu:
-Eu te amo, meu leitor.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Invasor

Na noite passada, quando dormia, percebi que a pessoa que invadiu meu coração estava tentando invadir também os meus devaneios.
Dei um forte tapa em meu rosto, despertei e disse a mim mesmo:
- Ninguém vai dormir o meu sonho.