terça-feira, 4 de novembro de 2014

Estação Recife



O sol reinava naquela manhã de sábado na capital pernambucana. Primeiro dia do mês de novembro. O relógio marcava 10h15 quando entrei no metrô, razoavelmente cheio. Seguia em direção à estação Recife. O que me chamou atenção foi o festival de venda ambulante dentro da locomotiva. Em 20 minutos contei 10 vendedores e um pedinte, solicitando ajuda para comprar uma passagem para Caruaru.

Uma senhora aparentando quase 60 anos de idade, de pele branca e pálida, usando uma saia branca com flores vermelhas na borda, de fios puídos, com uma blusa que um dia foi azul, vendia salgadinhos e frisava com sua voz fina que a ‘Torcida’ era um real. Com a mão esquerda segurava o saco de plástico transparente com os pacotes de salgados e com a inversa tentava se segurar para não cair por cima dos passageiros, devido o movimento do trem.

Logo atrás da anciã, um homem negro, com cavanhaque estilizado, vestindo um short vermelho e camisa de gola preta, arrastava uma caixa térmica azul vendendo refrigerante e água. R$2 e R$1 cada item, respectivamente.

Um jovem negro, magro e alto vendia pipocas - doces e salgados – por R$1. Sua juventude e a leveza da sua mercadoria permitia que andasse tranquilo pelo do metrô. Sua passagem pelo vagão que estava sentado foi rápida, como a concorrência era forte não podia dar-se o luxo de perder muito tempo. Oferecia a iguaria, dizia o preço e o sabor da pipoca.

E no meio da venda das iguarias comestíveis, surge um rapaz branco, usando short e camisa do Santa Cruz, carregava duas tatuagens em cada braço com o símbolo do seu time do coração, oferecendo termômetro digital, andando de um lado para outro do vagão gritava:

– Termômetro digital. Você testa na hora. Não precisa sacudir para saber a temperatura, apita anunciando que você já pode verificar a temperatura do seu corpo. Nas farmácias o preço deste produto custa em média 15 reais. Sabe por quanto você compra aqui comigo? Pra você passageiro do metrô, eu vendo por apenas 5 reais e você faz o teste agora, no momento da compra.

Água, refrigerantes, salgadinhos variados, pipocas, bombons e jujubas. Tudo se vende no metrô de Recife, assim a viagem fica mais leve e não percebemos o passar do tempo. É tanto anuncio de venda que precisamos ficar atentos aos avisos emitidos pelos condutores do trem. Se vacilar, perde a estação de destino.

Fiz questão de ser o último passageiro a descer do metrô. Vi a locomotiva em sua extensão completa. Eu estava no primeiro vagão. Observei a quantidade de lixo jogado no chão do trem: garrafas de água e refrigerante, canudinhos de plásticos, sacos de salgadinhos e pipocas. Ao mesmo tempo, reparei que não tem uma lixeira dentro do metrô. Questionei ao funcionário da companhia sobre a falta de lixeira, a resposta que obtive é que a venda dentro dos vagões não é permitida por lei.

Leis podem ser mudadas. O mais interessante seria a companhia metroviária realizar uma campanha educativa com os passageiros, colocar lixeira dentro dos vagões e permitir o que já permitido pela necessidade de sobrevivência: a venda ambulante dentro do metrô. Tenho certeza que o metrô do Recife continuará agitado, bonito e alegre, por um único motivo, permanecerá tendo a cara de quem o utiliza todos os dias.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Ourém 252 anos: como é grande o meu amor por você

Era domingo, 8 de março de 1998. Acordei às 5h, ainda estava escuro. Tomei banho. Saboreei o café feito com carinho pela minha mãe, dei um forte abraço nela e em meu pai. Peguei a bolsa. Caminhei em direção ao terminal rodoviário. Aquele jovem, que no dia anterior completara 18 anos, estava indo embora para Belém continuar seus estudos. Deixei família e amigos e fui descobrir um novo mundo.

Hoje, 16 anos depois, moro em Aracaju (Sergipe), no nordeste brasileiro, longe de Ourém, interior localizado no nordeste paraense, há mais de 1.500km. Contudo, não tem distância que diminua o amor que eu sinto pelo meu lugar, pela minha aldeia, pelo meu povo.

Dias atrás, sentado na areia da praia, curtindo a brisa do mar e ouvindo o barulho das ondas, me peguei correndo na Travessa Tembés, quando ainda não era asfaltada. A piçarra com suas pedras não impedia que fizéssemos da rua nosso campo de futebol, de taco e de queimada. “Não valeu o gol. Foi falta”, “Não derrubou a lata. Tem que derrubar”, “Você morreu. Passe para o outro lado”, escutei os gritos que dávamos durante nossas brincadeiras nas tardes ensolaradas ou chuvosas do Pará.

Olhando para a imensidão do Oceano Atlântico me peguei nadando nas águas correntes do estreito Rio Guamá. Senti-me caindo da boia no meio do rio, pulando do cais ou da ponte, correndo pelas pedras da cachoeira, andando de canoa, comendo charque assado com farinha, tomando cachaça 51 na escadinha e tirando o gosto com manga verde que derrubávamos da velha mangueira que reinava imponente na beira do arrimo.

Um casal de adolescente caminhava na areia da praia, vestiam o uniforme escolar. A moça de pele bronzeada soltou seu enorme cabelo preto para balançar no ritmo do vento que arrastava as ondas. Olhando pra eles me encontrei na Escolinha do Atlântico, atual Rubens Guimarães Júnior. Foi lá que eu estudei da pré-escola à 3ª série do ensino fundamental. Foi lá que eu descobri o mundo da escrita, do cálculo e da leitura. Meus primeiros passos no mundo do saber acadêmico foram na escola que abrigava o Complexo Esportivo da cidade, com o estádio de futebol que foi palco de tantas alegrias proporcionadas nos clássicos entre Luiz de Moura e Liderança. Em seguida lembrei da Escola Padre Antônio Vieira, onde estudei a 4ª série do ensino fundamental, com seus corredores, muitas salas de aulas, uma campainha de barulho forte e uma merenda escolar impecável preparada pela minha Mãe e suas amigas-comadres Dona Direne, Dona Júlia, Dona Guiomar, Dona Joaquina e Dona Maria do Aurélio. Aos poucos, cheguei à Escola Padre Ângelo Moretti, entrando pelo portão que me dava acesso à 5ª série do ensino fundamental até o 3º ano do ensino médio. Era um colégio enorme aos meus olhos e atravessar aquele portão era símbolo de crescimento, estava deixando de ser criança. Deparei-me com um lindo bosque, cheio de animais, mesas e bancos de madeira. Nessa escola avancei pelo mundo do saber, descobri a complexidade dos números e letras aprendidas nas séries inicias, viajei pelo mundo da ciência, descobri a história do homem enquanto ser social e sua localização geográfica. Tudo isso conduzido por professores fabulosos.

Levantei da areia e resolvi caminhar pelo calçadão da orla de Aracaju. Cheguei ao ‘Mundo da Criança’, uma área cheia de brinquedos, espaço onde a meninada se diverte. Lembrei do nosso modesto parque, localizado entre a Igreja Matriz e a Praça Magalhães Barata. Era nosso palco de diversão. Todos os sábados, após a Missa das Crianças, era pra lá que corríamos. Depois de pular, girar, gritar, correr, íamos comprar guloseimas no Tio Dedê. O parque deu lugar a um prédio da Ação Social, hoje quem faz estripulias por lá são os idosos, e o Tio Dedê está vendendo bombons e caramelos para os anjos.

Andei em direção à minha casa. Continuei com o pensamento em Ourém, relembrando os momentos que marcaram a minha vida, ajudaram a formatar minha personalidade, permitiram ser quem eu sou. Posso percorrer por vários lugares, mas percorro consciente de que tenho minhas raízes fixadas em um lugar pequeno e aconchegante lá no interior do Pará. É de lá que eu venho. É de lá que eu sou.

Nesses 252 anos de história tenho apenas uma coisa a dizer: Ourém, como é grande o meu amor por você!


Aracaju (SE), 29 de maio de 2014.