terça-feira, 25 de agosto de 2009

20 anos sem o 'Rei do Baião'


No dia 02 de agosto de 1989, morreu um dos maiores ícones da música brasileira, Luiz Gonzaga, o “Rei do Baião”.

Gonzaga foi o criador de um gênero musical genuinamente brasileiro, o forró. Fez com a sanfona, o triangulo e a zabumba o ritmo que foi popularizado de norte a sul do país. Retratando, de uma forma simples e bela, o cotidiano do homem nordestino e de sua cultura. O Rei do Baião fez do forró o mais brasileiro de todos os ritmos.

As dificuldades vividas pelo povo nordestino, a simplicidade de vida e o orgulho pela sua terra são notórios nas letras, no ritmo, na dança, no chapéu de couro que são características únicas do pé-de-serra.

Nascido em Exu, interior de Pernambuco, Luiz Gonzaga era um homem simples, negro e matuto. Segundo ele, “um amarelo, bochudo, zambeta, cabeça de papagaio, feio pá peste”. Observando o pai animar bailes e consertar sanfonas, Gonzaga ganha intimidade com o instrumento que mudou sua vida ainda criança. No inicio, sua mãe Dona Santana não queria que o filho seguisse o caminho do pai, Seu Januário.

Quando jovem, em 1930, Gonzaga se alista ao exercito e ficou conhecido como “Bico de Aço” pela sua habilidade com a corneta. Em 1939, sai das forças armadas e vai para o Rio de Janeiro tentar a sorte como músico. Começou a cantar no “Mangue” (região do meretrício do Rio de Janeiro) como ele dizia. Tocou de tudo: choros, sambas, valsas, tangos e outros ritmos, porém, nenhum ritmo de sua região. Certa vez, foi questionado por um grupo de cearenses, por não tocar músicas nordestinas. Com o puxão de orelhas, as músicas de sua terra passaram a ser o carro chefe de sua carreira.

Dança da Mariquinha” foi a primeira música gravada enquanto cantor, em 1945. Nessa data, já tinha sido contratado pela Rádio Nacional depois do sucesso alcançado ao vencer, em 1941, o concurso no famoso programa de Ary Barroso com a música “Vira e Mexe”.

Seu maior sucesso, sem dúvida alguma, foi e continua sendo “Asa Branca”. Uma espécie de hino no nordeste, a música foi composta em parceira com Humberto Teixeira e gravada em 1947. A primeira lição do ABC nordestino é aprender a cantar “Asa Branca”. A letra fala do sertão, da seca e da esperança “da chuva cair de novo, pra mim voltar pro meu sertão”. Em parcerias com outros grandes compositores como Zé Dantas, Onildo Almeida e Zé Marcolino criaram lindas canções que até hoje são obrigatórias nos repertórios das grandes festas juninas que animam o nordeste.

Luiz Gonzaga e a Política
No que se refere à política, Gonzaga foi muito conservador. Apesar de suas composições retratarem a vida difícil do povo nordestino, como nas músicas “Asa Branca”, “Vozes da Seca”, “Ai seu Generá” e “Andarilho”, tinha horror aos políticos denominados de esquerda. Em sua passagem pelo exercito passou admirar os generais e, em 1964, declarou apoio à ditadura.

Gonzaga sempre era convidado para tocar nos saraus presidenciais e chegou a afirmar que “não havia tortura no Brasil”. Mas, foi vitima da própria ditadura, que o proibiu de cantar, em shows, as músicas “Vozes da Seca”, “Paulo Afonso” e “Asa Branca”.

Com o aumento das denuncias de tortura e mortes de vários ativistas, Gonzaga vai se desprendendo um pouco mais dos governantes e compõe com Humberto Teixeira “Salmo dos Aflitos”. No governo Geisel, em 1978, no seu disco “Dengo Maior”, a música foi incluída. Em 1980, gravou “Pra não dizer que falei das flores” de Geraldo Vandré.

Gonzagão e Gonzaguinha
Muitos se decepcionavam com a posição política de Luiz Gonzaga, incluindo seu filho Gonzaguinha. Durante anos, pai e filho tiveram um relacionamento difícil e distante. Somente, em 1981, os dois fizeram as pazes e proporcionam um grande momento histórico da música popular brasileira com a turnê “Vida de Viajante”, registrada no disco “Descanso em casa, moro no mundo”.

O Rei do Baião continua vivo
Em sua trajetória, Gonzaga dividiu o palco com grandes artistas como: Gal Costa, Sivuca, Elba Ramalho, Carmélia Alves, Marinês, Nélson Gonçalves, Dominguinhos, Oswaldinho do Arcodeon, Genival Lacerda e Fagner.

Entre suas centenas músicas gravadas algumas são obrigatórias em qualquer coletânea do cantor: Nem se Despediu de Mim, Sanfoninha Choradeira, ABC do Sertão, Xote das Meninas, Samarica Parteira, Qui nem Jiló, No meu Pé-de-Serra, Numa Sala de Reboco, Súplica Cearense, Juazeiro, Assum Preto, Vozes da Seca, Aproveita Gente, Feira de Caruaru, Riacho do Navio, Respeita Januário, Forró nº. 1, Cheiro de Karolina, Baião, Olha pro Céu, Triste Partida, A volta da Asa Branca, Paraíba, Forró de Cabo a Rabo, Cintura Fina e Pagode Russo.

Luiz Gonzaga continua vivo entre nós. Suas canções continuam animando festas juninas país afora. Não há festa de São João sem Gonzagão.
Os 20 anos da morte do “Rei do Baião” não silenciaram a sua sanfona.

sábado, 1 de agosto de 2009

Santa Chuva

Lembro perfeitamente dos meus olhos acompanhando a descida do barquinho de papel na correnteza formada pelas águas da chuva. Fazíamos dezenas deles. Todos seguiam o mesmo rumo, correnteza abaixo. Foram feitos para isso. Porém, quando soltávamos, nossos olhos acompanhavam o movimento de descida como se não quiséssemos que partissem ou como se estivéssemos atentos para que a descida fosse perfeita, pois, sempre ocorriam pequenos atropelos pelo percurso. Seguíamos até o encontro das águas com as tubulações. Voltávamos e soltávamos outro e, assim, repetíamos até acabar os brinquedos, feitos com restos de jornais e revistas, produzidos naquela tarde chuvosa.

Água, muita água. Corríamos às biqueiras das casas. A água caia com força em nossas cabeças. O revezamento era feito e todos passavam por debaixo delas. A disputa era pelas mais altas. Quem chegava primeiro comandava a área e quem chegava por último era a mulher do padre.

A chuva permitia que a criatividade invadisse nossas mentes. Construíamos, com muita areia e pedaços de pau, grandes represas. Éramos verdadeiros engenheiros construindo barragens. A descida da água era controlada por nós. Na verdade, controlávamos até quando a água queria, muitas vezes, ela se rebelava e impunha sua força passando por cima da nossa construção. Fazíamos tudo de novo, com mais areia e mais pedaços de pau. Momentaneamente, controlávamos a força da natureza.

Chuva forte combinava com manga no chão. Corríamos ao quintal da minha casa, ao da minha tia e dos vizinhos. A chuva permitia por um instante a propriedade comunal das terras e das frutas. Para nós eram comunais, para seus donos, não. Mas a aventura não tinha limites. Muros, cercas e cachorros eram superados. Nada que um bom trabalho em equipe não resolvesse. Comíamos as mangas, muitas vezes, rindo dos obstáculos que superamos para apanhá-las. Acho que os sacrifícios às tornavam mais saborosas.

Nem sempre aproveitei a chuva dessa maneira. Muitas vezes, fiquei em casa, deitado, embrulhado em um bom lençol grosso, ouvindo o barulho nas telhas e sentindo seus respingos. O som emitido era uma verdadeira sinfonia onde as notas musicais não podiam ser decifradas, só ouvidas e guardadas na mente. Era um som que embalava sonos e sonhos profundos. Chuva, som, sono e sonho.

Os raios e trovões, chuva ou outra, davam o ar da graça. Por trás das arvores, podíamos ver o lindo clarão de luz e ao longe seu estrondo. A fé cristã entrava em cena. Jogávamos no chão do quintal a palha abençoada pelo padre no Domingo de Ramos. Minha mãe dizia que era para proteger nossa casa de um raio. Mas, eu ficava olhando o lindo clarão dos raios e em meu olhar inocente enxergava mais beleza que perigo. Raios, trovões, clarões.

Sinto saudades dos banhos nas chuvas da minha Amazônia. Dos barquinhos de papel, das biqueiras, das represas de areia, das mangas expropriadas e da velha palha abençoada. No Pará é assim, sempre chuva, santa chuva.



“vai chover
de novo
deu na Tevê”
(Marcelo Camelo)