quarta-feira, 20 de abril de 2011

Maria Bonita: 100 anos da guerreira do cangaço


Entre os dias 23 e 26 de março, aconteceu na cidade de Paulo Afonso/BA, um seminário internacional em comemoração ao centenário da primeira mulher a participar de um grupo de cangaceiros. Apresentações folclóricas, lançamentos de livros, peças, exposições dos pertences usados pelos cangaceiros e fotografias fazem parte da programação que segue durante todo o ano.

A Conferência Internacional das Mulheres realizada na cidade de Copenhague [Dinamarca] em 1910, organizada pela Internacional Socialista, aprova a proposta da socialista alemã Clara Zetkin, de instituição de um dia internacional da mulher. No dia 8 de março do ano seguinte, nasceu Maria Gomes de Oliveira, a Maria Bonita, uma mulher símbolo da coragem e da ousadia.

A guerreira do cangaço rompeu com as regras do seu tempo, uma época marcada por um forte machismo e dominada por um homem rude, violento e metido a ‘valentão’. Aos 18 anos, juntou-se ao bando de Virgulino Ferreira, o Lampião, formando com este, o casal mais famoso de cangaceiros.

Alguns pesquisadores afirmam que Maria Bonita não defendia nenhuma causa especifica e nem tinha inclinações politicas, entrou para o grupo de cangaceiros por amor a Lampião, versão essa defendida por João de Sousa Lima, membro da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço [SBEC], autor dos livros ‘A trajetória de Maria Bonita, a Rainha do Cangaço’ e ‘Moreno e Durvinha, Sangue, Amor e Fuga no Cangaço’.

Mas o próprio Lima reconhece que guerreira ou não, Maria Bonita foi uma mulher valente, quebrou parâmetros, pois o simples fato de ela se juntar a um grupo de homens que viviam à margem da lei bastava para chocar a sociedade de então.

O cangaço, a seca e o latifúndio
Mesmo se Maria Bonita nunca deu um tiro, não matou nenhum soldado da “Volante” e não realizou nenhum assalto, ela foi revolucionária. Preferiu se arriscar no mundo ao lado do homem amado do que viver uma vida de incertezas, conformismo e infelicidades.

A atitude tomada por uma jovem de 18 anos que resolveu seguir um bando de cangaceiros é consequência do meio social em que vivia. Maria Bonita nasceu no sertão, no interior da Bahia, filha de Dona Déa, uma sertaneja como outra qualquer, mãe de 11 filhos. Junto com seu povo vivia o flagelo da seca, a fome do sertanejo e o privilégio dos latifundiários.

Seu amor por Lampião é o amor pela esperança de dias melhores. Como afirma o texto no site oficial sobre o acervo do cangaço, “quando a morte passa a ser sua companhia diária o homem reage. Alguns se entregam ao desespero, à passividade e ao desalento. Outros, de índole mais agressiva, revoltam-se e pegam em armas. Os que não têm nada querem alguma coisa; os que têm pouco querem mais, muito mais, pois o coronel está séculos à sua frente”

Procurar entender quem foi Maria Bonita é buscar compreender o que foi o cangaço. O cangaço, assim como Canudos, foi um movimento que questionava a estrutura vigente baseada no latifúndio, na expulsão do sertanejo de suas terras, da exploração da sua força de trabalho, da fome e da seca que eram submetidos.

O cangaceiro são homens “sem outras alternativas e sabendo que esse estado de coisas continuaria os grupos de rebeldes procuraram em si mesmos os meios para tentar mudanças, instigados pelo analfabetismo, pela fome, pela falta de futuro melhor, pelos anos sucessivos de seca, pelo descaso das autoridades e pela participação, muitas vezes infeliz, da Igreja Católica. O sertão é, por natureza, adverso ao homem que ali tenta viver.” [Site Oficial do Acervo do Cangaço].

Maria Bonita não seguiu Lampião somente por amor, seguiu porque era uma sertaneja que não aceitava mais a situação de seu povo. Podemos questionar o método de luta utilizado pelos cangaceiros, mas não podemos questionar a coragem de quem em meio à seca e a fome manteve-se em pé para lutar.

Guerreira sim!
Brincou de boneca, casinha e ciranda. Namorou, casou, descasou e casou de novo. Com Lampião, seu segundo esposo, teve três filhos – Expedita Ferreira Nunes, a única ainda viva, 78 anos, mora em Aracaju/SE, e os gêmeos Arlindo e Ananias Gomes de Oliveira. Maria ingressou ao cangaço jovem e foi assassinada aos 27 anos ao lado de Lampião e oito cangaceiros, em 28 de julho de 1938, em Poço Redondo/SE. As cabeças foram cortadas e expostas aos sertanejos na escadaria da Prefeitura de Piranhas, em Alagoas.

Os cangaceiros foram dizimados, mas a seca, a fome e o coronelismo continuam no nordeste. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios [PNAD] de setembro de 2009 revelou que 908 mil cearenses viviam em extrema pobreza, isto é, miséria absoluta. Quase 11% da população do Ceará se mantinham com R$58 mensais. De cada 100 pessoas com faixa etária entre zero e 13 anos, 18 viviam em situação de extrema pobreza no Ceará. Vale ressaltar que esses dados colocaram o estado do Ceará em terceiro lugar no rol dos estados em termo de miséria. Em Pernambuco e na Bahia a situação é pior. Esses dois Estados ficaram em primeiro e segundo lugar no rol da miséria, respectivamente.

Que o seminário internacional, realizado em Paulo Afonso/BA no final do mês passado, não tenha sido um evento somente para celebrar o centenário da Maria Bonita, mas para despertar as mentes e os corações dos sertanejos sobre sua realidade. O terreno que germinou Maria Bonita ainda esta lá, esperando novas sementes. Quem sabe o seminário internacional ajude a brotar uma nova Maria.