segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

O bêbado na praia de Deus

O sábado estava ensolarado, já anunciando a chegada do verão. O forte calor pedia uma água de coco bem gelada. Assim fiz, caminhei até a orla, sentei em um quiosque, pedi um coco e fiquei observando o movimento na praia. Passava das 14h, poucas pessoas transitavam pelo calçadão. Um senhor de pele clara, estatura baixa, usando uma bermuda jeans desgastada e uma blusa que um dia tinha sido branca chegou oferecendo picolé caseiro. Afirmava com todas as letras que era uma delícia, anunciou uma lista de sabores e concluiu enfatizando o preço, “apenas R$1”.

Continuei tomando minha água de coco, olhando para a praia. O dono do quiosque tomou coragem e pediu um picolé de graviola. “Quero ver se é bom mesmo”. O sorveteiro revidou, “se não for bom, você não paga”. O vendedor de coco chupou o picolé como criança, se lambuzou todo, segurava o palito com a mão direita e limpava o queixo lambuzado com a outra mão. O sorveteiro louco para receber o seu dinheiro perguntava insistentemente, “e aí, gostou?”. O tio do quiosque fingiu que não ouviu e seguiu enfiando o picolé na boca desdentada.

Assim que terminou de chupar o picolé e jogar o palito no chão do quiosque, o vendedor de coco olhou para o sorveteiro e disse, “você deve ganhar muito dinheiro, hein”. Entendi que isso era a confirmação de que o picolé era saboroso. O sorveteiro para revelar sua modéstia respondeu, “que nada, quem deve ganhar bem é você com esse quiosque”. A partir daí, o tio do quiosque iniciou uma longa ladainha reclamando do dinheiro que paga pelo aluguel do estabelecimento comercial, R$1.200, da taxa de água e energia. Com cara de enfezado disse que fica por mês com algo em torno de R$1.500. “Isso não dá pra nada”, reclamou. O sorveteiro concordou, “é verdade, é pouco mesmo”.

O tio do quiosque colocou a mão dentro de uma lata de alumínio, pegou uma moeda de R$1 e entregou ao sorveteiro. Depois de agradecer, verificou se a tampa do carrinho estava travada e seguiu seu caminho. O tio do quiosque tentou puxar conversa comigo, reclamando novamente do valor do aluguel que paga ao dono do quiosque, acrescentando a informação de que o proprietário é dono de mais três quiosques na orla. Eu disse que uns têm muito e outros não têm nada, mas quando ia aprofundar esse debate de classes com o tio, fomos interrompidos por duas moças e duas crianças. Estavam na praia e queriam uma chuveirada para tirar a areia do corpo. O tio tem um chuveiro, ligado à uma bomba, que jorra uma água fria e potente. Essa delicia de frescor custa R$1, o minuto.

O tio foi atendê-los, recebeu o dinheiro e organizou a ordem dos banhos. Voltou para dentro do quiosque, ordenou que a primeira pessoa se dirigisse ao chuveiro, acionou uma tomada e água caiu fria e forte. As pessoas se assustam com o volume da água e com a frieza, fazendo com que dê um salto e um gemido, seguido de uma risada. Foi assim como todas as pessoas que passaram por debaixo daquele chuveiro durante o tempo que fiquei sentado em uma cadeira branca de plástico, com as pernas esticadas sobre outra cadeira do mesmo modelo, da mesma cor.

Quando a última moça estava concluindo seu banho, apareceu um homem vestindo apenas com um short preto, com uma pequena bolsa pendurada em suas costas e estava de porre, baforando cachaça, tropeçando em seus próprios passos. “Eu quero tomar banho”, gritou o bêbado. O tio do quiosque logo avisou, “paga R$1”. O porre retrucou, “eu pago, pago qualquer preço”. O tio anunciou, “deixe a moça terminar a vez dela”. O bêbado veio em minha direção, jogou sua bolsa próximo a cadeira que eu estava sentado e voltou em direção ao chuveiro. A moça concluiu o banho e o bêbado se deliciou embaixo do chuveiro como se estivesse encontrado uma fonte mágica, quando ele estava no auge da degustação, o tio desligou a bomba. O bêbado veio, pegou sua bolsa e colocou nas costas. Ia embora como se não tivesse que pagar o R$1, que antes afirmara que pagaria. Aliás, afirmara que pagaria qualquer preço.

O tio gritou de dentro do quiosque, “tem que pagar o R$1”. O embriagado respondeu, “não pago”. O tio saiu do quiosque, começou a bravejar dizendo que teria que pagar. Ficou a discussão paga X não pago. O tio do quiosque segurou o bêbado pelo braço, que sob o efeito do álcool perguntava, “vai me bater, vai me bater”. O tio reduziu sua fúria e mandou o bêbado ir embora do quiosque. Ao caminhar três passos, o bêbado gritou, “a praia é Deus”. Já de dentro do quiosque, o tio gritou mais alto, “mas a bomba é minha”.

Eu pedi mais um coco. Depois solicitei que o tio preparasse uma garrafa com um litro d’água. Paguei minha conta que custou R$12, agradeci e desejei boa tarde. O tio respondeu ao agradecimento e na réplica eu disse, “fique em paz na praia de Deus”. Coloquei meu óculos escuro e fui pra casa.