sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Pela estrada...

As estradas seguem sentidos muitas vezes indecifráveis a nossa lógica formal. Achamos que os sentidos norte-sul leste-oeste por si só explicam tudo. A vontade de chegar, bem como a vontade de partir, faz com que nos preocupemos com o sentido linear das rodovias. Uma camada de asfalto sinalizada ao meio com listras amarelas, hora continuada hora espaçada, listras brancas em suas bordas, em sua faixa de terra lateral placas verdes com letras brancas indicando lugares que não nos interessam, pois o sentido para nós é linear, é reto, nada de curvas, nada de esquerda e direita, nada de lombadas e sonorizadores, nada que atrapalhe nosso percurso, desvie nosso caminho.

Quando você não está ao volante o sentido linear desaparece. Você consegue perceber o verde da mata, um rio que passa ao lado, um pássaro que voa no horizonte. Primeiro porque o tempo parece não passar, segundo porque à sua frente novas paisagens são feitas e desfeitas, o imperceptível passa a ser observado. Casas, comércio, animais, arvores e pessoas. Elementos não observáveis pelo condutor ganham notoriedade pelo passageiro ao lado, pelo simples fato de que este passageiro também não é percebido por aquele, afinal, você está ao lado dele e não à sua frente. Quem conduz que chegar e é para frente que se anda e olha.

Tentei ficar 15 minutos olhando para frente como se fosse eu o condutor. Tempo suficiente para receber mais de 20 ordens e avisos. Velocidade máxima 80km, proibido ultrapassar, lombada a 500m, inicio da 3ª faixa, término da 3ª faixa, curva à direita, curva à esquerda e outros recados oficiais. Depois do teste olhei ao lado direito e vi uma casa branca no topo de uma colina, parecia uma casa que desenhava quando criança, um coqueiro ao lado, o vento balançando suas palhas sem cumprir nenhuma ordem sem receber nenhum recado oficial. Se eu estivesse ao volante não teria recordado um momento tão bonito da minha infância quando transmitia minha ingênua forma de ver o mundo de maneira colorida e bucólica em uma página de papel sulfite.

Olhando ao lado esquerdo observei um enorme lago onde o sol espelhava seu brilho em uma tarde de agosto. Minha amiga que conduzia o veículo continuava vendo somente o asfalto e suas linhas amarelas e brancas, o movimento linear a obrigava ver apenas carros e carros.

Comecei a refletir sobre a liberdade. Até onde nossas descobertas proporcionam maior liberdade? Quem é mais livre, nós ou arvores, ou os pássaros? Até onde a liberdade de locomoção proporcionada ao homem pelo automóvel não é uma cegueira que o impede de ver as cores do mundo, pior que isso, o impede de ver o outro homem que está ao seu lado? As aves voam no céu e não precisam de leis de trânsito, placas e sinalizações, por que nós dotados de consciências precisamos de leis para tentar conviver o mínimo em sociedade?

Nossa liberdade é de fato pequena, restrita e controlada. Está dentro do automóvel não basta, temos que seguir dentro da linha amarela para seguirmos em frente e vivo. São os homens e suas contradições, contradições essas que fazem do homem um ser livre. Livre para inventar o automóvel com a pretensão de voar, mas não tão livre como os pássaros, pois diferente destes, os homens precisam de linhas amarelas e brancas e placas verdes para controlar seu voo.

É Gilvani. Siga no volante, afinal quero chegar a Aracaju. 

15 de agosto de 2011.
BR-101
Trecho Alagoinhas/BA à Aracaju/SE

Um comentário:

  1. Ótimo texto. A cada parágrafo sentimos a sensação de estarmos sendo transportado para dentro do texto. Muito bem articulado. Ele nos impele a reflitir sobre nossas vidas, liberdade, visão de mundo e das pessoas. Nos dias de hoje, infelizmente, somos tragados por um turbilhão de uma sociedade consumista, egoista e individualista, que nos tira a sensiblidade de enxergar as coisas com o olhar da alma e do coração.

    Pedro Roberto
    Maceió/AL
    Enviado por email em 19 de agosto de 2011

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