domingo, 23 de outubro de 2011

É tempo de fazer o caminho inverso

Às vezes tenho a sensação de que já vivi o presente momento. Bem como, quando retorno a minha cidade fico a passear por ela em uma busca das impressões da minha infância. Mas não as encontro. Não sei o motivo. Não sei se elas desapareceram de vez ou eu não as procurei no lugar certo.

Assim que estou me sentido. Passando por um momento já vivido. Com muita dúvida em ir ao encontro do futuro, com medo de encontrar o passado e nessa soma não conseguir chegar a formula do presente.

Mas nunca deixei de fazer aquilo que quis. Nunca tive medo de errar, nem medo de não encontrar a fórmula certa. Minha única preocupação é se estou no tempo certo para isso. Tem horas que pensar um pouco mais é a melhor tática, mesmo que a estratégia siga em movimento.

Preciso confiar no meu passo. É tempo de maratona e não de corrida de 100 metros. É preciso correr devagar e correr muito. Nada de corrida contra o tempo, não estou competindo com ele. Faço dele meu aliado. Não estou aqui para dividir, estou em fase de somar. Já dividi e subtrai na hora certa. Agora vou fazer o caminho inverso. Espero está somando na hora certa também.

Somar é muito mais complicado. Afinal, quando você divide e subtrai, você separa. Separa porque você quer um tempo para você. Quando você adiciona, você quer um tempo para juntar seu tempo com o tempo do outro. Você já não pensa mais no seu eu. Você passa a pensar por dois.

Pensar por dois é bem melhor quando o outro permite você pensar por ele. Quando você pensa por dois sem a autorização do segundo não é nada bom. Mas não é esse o meu problema. Meu problema é saber se já é tempo de pensar por dois. Se esta é a hora certa de fazer o caminho inverso e voltar a fazer soma.

Sigo pensando. Afinal, decisão como essa exige reflexão. Refletir não faz mal a ninguém. Só não posso deixar o tempo dominar minha reflexão. Pois, antes de passar a pensar por dois, a melhor coisa é aprender a controlar o tempo.

Tempo, tempo, tempo. É tempo de fazer diferente. 

Abraço partido

Eu, sentado no chão. Você me abraça fortemente por trás.
Isso basta para saber que você estará partindo.
Todas as vezes que você vai embora, só me resta ouvir Cazuza.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Pela estrada...

As estradas seguem sentidos muitas vezes indecifráveis a nossa lógica formal. Achamos que os sentidos norte-sul leste-oeste por si só explicam tudo. A vontade de chegar, bem como a vontade de partir, faz com que nos preocupemos com o sentido linear das rodovias. Uma camada de asfalto sinalizada ao meio com listras amarelas, hora continuada hora espaçada, listras brancas em suas bordas, em sua faixa de terra lateral placas verdes com letras brancas indicando lugares que não nos interessam, pois o sentido para nós é linear, é reto, nada de curvas, nada de esquerda e direita, nada de lombadas e sonorizadores, nada que atrapalhe nosso percurso, desvie nosso caminho.

Quando você não está ao volante o sentido linear desaparece. Você consegue perceber o verde da mata, um rio que passa ao lado, um pássaro que voa no horizonte. Primeiro porque o tempo parece não passar, segundo porque à sua frente novas paisagens são feitas e desfeitas, o imperceptível passa a ser observado. Casas, comércio, animais, arvores e pessoas. Elementos não observáveis pelo condutor ganham notoriedade pelo passageiro ao lado, pelo simples fato de que este passageiro também não é percebido por aquele, afinal, você está ao lado dele e não à sua frente. Quem conduz que chegar e é para frente que se anda e olha.

Tentei ficar 15 minutos olhando para frente como se fosse eu o condutor. Tempo suficiente para receber mais de 20 ordens e avisos. Velocidade máxima 80km, proibido ultrapassar, lombada a 500m, inicio da 3ª faixa, término da 3ª faixa, curva à direita, curva à esquerda e outros recados oficiais. Depois do teste olhei ao lado direito e vi uma casa branca no topo de uma colina, parecia uma casa que desenhava quando criança, um coqueiro ao lado, o vento balançando suas palhas sem cumprir nenhuma ordem sem receber nenhum recado oficial. Se eu estivesse ao volante não teria recordado um momento tão bonito da minha infância quando transmitia minha ingênua forma de ver o mundo de maneira colorida e bucólica em uma página de papel sulfite.

Olhando ao lado esquerdo observei um enorme lago onde o sol espelhava seu brilho em uma tarde de agosto. Minha amiga que conduzia o veículo continuava vendo somente o asfalto e suas linhas amarelas e brancas, o movimento linear a obrigava ver apenas carros e carros.

Comecei a refletir sobre a liberdade. Até onde nossas descobertas proporcionam maior liberdade? Quem é mais livre, nós ou arvores, ou os pássaros? Até onde a liberdade de locomoção proporcionada ao homem pelo automóvel não é uma cegueira que o impede de ver as cores do mundo, pior que isso, o impede de ver o outro homem que está ao seu lado? As aves voam no céu e não precisam de leis de trânsito, placas e sinalizações, por que nós dotados de consciências precisamos de leis para tentar conviver o mínimo em sociedade?

Nossa liberdade é de fato pequena, restrita e controlada. Está dentro do automóvel não basta, temos que seguir dentro da linha amarela para seguirmos em frente e vivo. São os homens e suas contradições, contradições essas que fazem do homem um ser livre. Livre para inventar o automóvel com a pretensão de voar, mas não tão livre como os pássaros, pois diferente destes, os homens precisam de linhas amarelas e brancas e placas verdes para controlar seu voo.

É Gilvani. Siga no volante, afinal quero chegar a Aracaju. 

15 de agosto de 2011.
BR-101
Trecho Alagoinhas/BA à Aracaju/SE

domingo, 24 de julho de 2011

Esqueça-me

     Tudo o que eu buscava era a felicidade.
  Quanto mais eu a procurava mais se escondia de mim. Cansei dessa brincadeira. Deixei a felicidade de lado.
   Passado alguns dias, ela veio atrás de mim. Simplesmente respondi:
   - Esqueça-me. Já encontrei aconchego com a solidão.

Tarde demais

   Quando eu descia a ladeira, ele assoviou pra mim. Queria olhar, mas meu orgulho falou mais alto.
   Quando eu subi a ladeira esperava ouvir seu forte assovio. Não teve.
   Olhei tarde demais. Sua boca estava ocupada com outra boca.

sábado, 23 de julho de 2011

Marcas

A chuva que limpa é a mesma que suja
              lava minhas marcas e me deixa nua
                      devolva minha história
                                     limpe outro corpo.

sábado, 14 de maio de 2011

Palavra gostosa

Senti a necessidade de escrever um texto. Colocar para fora alguma coisa que me atormentava, sufocava fortemente. Sentei à frente d0 computador, a vontade de escrever não ia embora, da mesma forma que as palavras não vinham. Resolvi vasculhar minha mente em busca de letras soltas, no intuito de formar palavras. Tentativa em vão.

A angústia pela escrita acelerava. Meus dedos precisavam sentir a textura do teclado. Eu precisava libertar o que me aprisionava. Passeando, vi uma palavra ao lado esquerdo do meu cérebro. Fui em sua direção. Quanto mais de pressa eu caminhava, mas distante ela ficava de mim. Em pânico comecei gritar por ela, a chamar: palavra, palavra, palavra. Chamei, chamei chamei...A falta de sua atenção começou a transformar meu pânico em ódio, por impulso gritei:

- Foda-se!

Aquela palavra que deslizava pelo meu cérebro, como patins em pista de gelo, que poderia ser o remédio para a minha aflição, virou-se para mim e olhou, olhou, olhou...disse de uma forma inesperada:

- Vamos juntos!

Fiquei sem ação, fiquei sem palavras para escrever meu texto e sem palavras para responder ao ousado convite daquele fonema. A sorte que meu cérebro ainda funcionava. Pensei, pensei, pensei...olhei firme nos olhos pretos que decoravam o fino rosto daquela palavra. Não resisti. Aceitei o convite. Confesso: foi bom demais.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Maria Bonita: 100 anos da guerreira do cangaço


Entre os dias 23 e 26 de março, aconteceu na cidade de Paulo Afonso/BA, um seminário internacional em comemoração ao centenário da primeira mulher a participar de um grupo de cangaceiros. Apresentações folclóricas, lançamentos de livros, peças, exposições dos pertences usados pelos cangaceiros e fotografias fazem parte da programação que segue durante todo o ano.

A Conferência Internacional das Mulheres realizada na cidade de Copenhague [Dinamarca] em 1910, organizada pela Internacional Socialista, aprova a proposta da socialista alemã Clara Zetkin, de instituição de um dia internacional da mulher. No dia 8 de março do ano seguinte, nasceu Maria Gomes de Oliveira, a Maria Bonita, uma mulher símbolo da coragem e da ousadia.

A guerreira do cangaço rompeu com as regras do seu tempo, uma época marcada por um forte machismo e dominada por um homem rude, violento e metido a ‘valentão’. Aos 18 anos, juntou-se ao bando de Virgulino Ferreira, o Lampião, formando com este, o casal mais famoso de cangaceiros.

Alguns pesquisadores afirmam que Maria Bonita não defendia nenhuma causa especifica e nem tinha inclinações politicas, entrou para o grupo de cangaceiros por amor a Lampião, versão essa defendida por João de Sousa Lima, membro da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço [SBEC], autor dos livros ‘A trajetória de Maria Bonita, a Rainha do Cangaço’ e ‘Moreno e Durvinha, Sangue, Amor e Fuga no Cangaço’.

Mas o próprio Lima reconhece que guerreira ou não, Maria Bonita foi uma mulher valente, quebrou parâmetros, pois o simples fato de ela se juntar a um grupo de homens que viviam à margem da lei bastava para chocar a sociedade de então.

O cangaço, a seca e o latifúndio
Mesmo se Maria Bonita nunca deu um tiro, não matou nenhum soldado da “Volante” e não realizou nenhum assalto, ela foi revolucionária. Preferiu se arriscar no mundo ao lado do homem amado do que viver uma vida de incertezas, conformismo e infelicidades.

A atitude tomada por uma jovem de 18 anos que resolveu seguir um bando de cangaceiros é consequência do meio social em que vivia. Maria Bonita nasceu no sertão, no interior da Bahia, filha de Dona Déa, uma sertaneja como outra qualquer, mãe de 11 filhos. Junto com seu povo vivia o flagelo da seca, a fome do sertanejo e o privilégio dos latifundiários.

Seu amor por Lampião é o amor pela esperança de dias melhores. Como afirma o texto no site oficial sobre o acervo do cangaço, “quando a morte passa a ser sua companhia diária o homem reage. Alguns se entregam ao desespero, à passividade e ao desalento. Outros, de índole mais agressiva, revoltam-se e pegam em armas. Os que não têm nada querem alguma coisa; os que têm pouco querem mais, muito mais, pois o coronel está séculos à sua frente”

Procurar entender quem foi Maria Bonita é buscar compreender o que foi o cangaço. O cangaço, assim como Canudos, foi um movimento que questionava a estrutura vigente baseada no latifúndio, na expulsão do sertanejo de suas terras, da exploração da sua força de trabalho, da fome e da seca que eram submetidos.

O cangaceiro são homens “sem outras alternativas e sabendo que esse estado de coisas continuaria os grupos de rebeldes procuraram em si mesmos os meios para tentar mudanças, instigados pelo analfabetismo, pela fome, pela falta de futuro melhor, pelos anos sucessivos de seca, pelo descaso das autoridades e pela participação, muitas vezes infeliz, da Igreja Católica. O sertão é, por natureza, adverso ao homem que ali tenta viver.” [Site Oficial do Acervo do Cangaço].

Maria Bonita não seguiu Lampião somente por amor, seguiu porque era uma sertaneja que não aceitava mais a situação de seu povo. Podemos questionar o método de luta utilizado pelos cangaceiros, mas não podemos questionar a coragem de quem em meio à seca e a fome manteve-se em pé para lutar.

Guerreira sim!
Brincou de boneca, casinha e ciranda. Namorou, casou, descasou e casou de novo. Com Lampião, seu segundo esposo, teve três filhos – Expedita Ferreira Nunes, a única ainda viva, 78 anos, mora em Aracaju/SE, e os gêmeos Arlindo e Ananias Gomes de Oliveira. Maria ingressou ao cangaço jovem e foi assassinada aos 27 anos ao lado de Lampião e oito cangaceiros, em 28 de julho de 1938, em Poço Redondo/SE. As cabeças foram cortadas e expostas aos sertanejos na escadaria da Prefeitura de Piranhas, em Alagoas.

Os cangaceiros foram dizimados, mas a seca, a fome e o coronelismo continuam no nordeste. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios [PNAD] de setembro de 2009 revelou que 908 mil cearenses viviam em extrema pobreza, isto é, miséria absoluta. Quase 11% da população do Ceará se mantinham com R$58 mensais. De cada 100 pessoas com faixa etária entre zero e 13 anos, 18 viviam em situação de extrema pobreza no Ceará. Vale ressaltar que esses dados colocaram o estado do Ceará em terceiro lugar no rol dos estados em termo de miséria. Em Pernambuco e na Bahia a situação é pior. Esses dois Estados ficaram em primeiro e segundo lugar no rol da miséria, respectivamente.

Que o seminário internacional, realizado em Paulo Afonso/BA no final do mês passado, não tenha sido um evento somente para celebrar o centenário da Maria Bonita, mas para despertar as mentes e os corações dos sertanejos sobre sua realidade. O terreno que germinou Maria Bonita ainda esta lá, esperando novas sementes. Quem sabe o seminário internacional ajude a brotar uma nova Maria. 

domingo, 13 de março de 2011

Passeando com Capote



Assim como existe amor à primeira vista, posso afirmar que há amor à primeira lida. Foi assim que nasceu o meu amor pelo escritor americano Truman Capote. Ao ler seu romance de não ficção A Sangue Frio [1966], um dos maiores livros do século XX, fui fisgado pela sua escrita literária, descritiva e envolvente. Você começa a ler e continua lendo como se estivesse vendo a cena, uma fotografia do cenário é construída a sua frente e você se sente como se estivesse na estória.

A palavra brilhante é pequena demais para classificar Capote. Não sei se encontraria uma palavra com esse poder. Mais uma coisa é certa, conforme consta na apresentação do livro Ensaios [2010], talvez nenhum escritor do século XX tenha sido tão observador e elegante quanto Truman Capote ao retratar seu tempo.

No inicio do mês de fevereiro, viajei para Paulo Afonso/Bahia, uma linda cidade cravada no meio do sertão. Foram 5h de viagem. Aproveitei o tempo para ler Ensaios. A cada ensaio lido, mas fascinado ficava com Capote. Os primeiros ensaios do livro são sobres viagens por ele realizadas. A forma como descreve cada lugar, objetos e pessoas, vai passando um filme em nossa cabeça. Começamos ver as cenas como se estivéssemos em frente à TV assistindo uma novela, com personagens que falam à sua frente.

A minha amizade com Capote vem amadurecendo. Não posso afirmar que somos amigos íntimos, mas posso dizer que já somos bons amigos. O que me fascina em Capote não é o conteúdo de sua escrita, não que tenho desprezo por ele, mas a forma como descreve seu conteúdo. A sua escrita elegante, às vezes irônica às vezes triste, sem pedantismo, é o que nos une.

Em Paulo Afonso visitei lindos lugares, tomei banho nas cachoeiras do Velho Chico, conheci novas pessoas. No intervalo de descanso pegava meu livro e começava a viajar junto com Capote em suas viagens descritas nos ensaios. Eu tinha agendado um passeio de catamarã pelas águas azuis do Rio São Francisco. Em meio à leitura de um dos ensaios, resolvi levar Capote comigo para o passeio. Achava que tinha por obrigação leva-lo comigo, pois em seus ensaios, com sua escrita, já tinha viajado com ele para vários países e cidades americanas. Era a minha vez de retribuir. Assim fiz.

Tenho certeza que Truman Capote faria um belíssimo ensaio sobre o nosso passeio. Com suas palavras o Velho Chico, suas águas límpidas e seus grandes canyons, ganhariam um novo significado. Como Capote não está vivo cabe a mim esse desafio. Irei escrever, ainda não sei quando. As ideias ainda fermentam em minha mente.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Pierrô

Na terça-feira de carnaval, estava atravessando umas das pontes do Recife Antigo, vi que tinha uma pessoa sentada em um banco na beira do cais, com a cabeça baixa, triste. Olhei. A pessoa olhou para mim. Continuou sentado. Eu o reconheci. Era o Pierrô.

Ao chegar no Marco Zero entendi a tristeza do palhaço. A Colombina rodopiava, abraçada, cheia de felicidades com o Arlequim.