terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Invasor

Na noite passada, quando dormia, percebi que a pessoa que invadiu meu coração estava tentando invadir também os meus devaneios.
Dei um forte tapa em meu rosto, despertei e disse a mim mesmo:
- Ninguém vai dormir o meu sonho. 

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Peço licença ao sofrimento

Era um fim de tarde de fevereiro, Zeca estava sentado em frente a sua casa, no bairro da Cidade Velha. Veio em sua mente, o medo que tinha quando criança em perder sua mãe. Maria Pé de Samba como era conhecida, gastava chinelo todo fim de semana na quadra do Rancho Não Posso Me Amofiná. Para espantar a tristeza, Zeca pegou seu pandeiro, saiu batucando e cantando pelas ruas da histórica Santa Maria de Belém do Grão Pará - "É carnaval é hora de sambar, peço licença ao sofrimento, depois eu volto ao meu lugar".

Clone

Quando escrevo, bebo e danço, me afirmo. Caso apareça um Roberto que não escreve, não bebe e nem dança, denuncie, é um clone mal feito.

Desencontro

Quando todos iam, eu voltava. Quando todos corriam, eu caminhava. Quando todos paravam, eu seguia. Quando eu durmo, milhões estão acordados. Não sou o do contra, eu sou o desencontro.

Morreu duas vezes

Pedro voltava do enterro de Eduardo. No cruzamento da Avenida Brasil com Celso Malcher encontrou Joana com várias sacolas de compras.
- Você não recebeu noticias de Eduardo?
- Para mim ele morreu faz seis meses, disse a donzela.

Acabou o chorare

Manoel descia a Rua da Independência quando encontrou Rufino bêbado, com uma garrafa de cachaça na mão, caído na calçada em frente à casa da Glória Brito. Tentou ajudá-lo, não quis, apenas resmungou:
- Ela não me ama mais.

Folia & Cinzas

Começa na quarta-feira do fogo. Termina na quarta-feira de cinzas. No Pelourinho, Praça Castro Alves, Campo Grande, Avenida Sete, da Barra até Ondina tudo é alegria. São milhões nas ruas da capital da Bahia. Trios elétricos, abadás e pipoca todos em uma só sintonia. O nome disso é carnaval.

Se essa rua fosse minha...

Aquela rua de piçarra, hora agitada, hora pacata, está presente em muitas das lembranças de um tempo feliz onde o futuro confundia-se com o infinito. As pedras naquela terra amarela nunca foram incômodas para nós. A nossa criatividade fizera daquele quarteirão mais que um pedaço de rua. Nosso campo de futebol; nossa entre linhas das queimadas que animavam o fim de tarde; nosso salão de festas ao luar, agitadas por nossas cantigas de rodas e sintonias corporais; espaço de disputa para chutar bem longe aquela garrafa verde de água sanitária e salvar os amigos capturados na pira bojão. 

Era na rua que desafiávamos a física, uns tentando derrubar velhas latas de óleos com uma bola pequena, outros as defendiam com pedaços de madeira, às vezes cabo de vassoura, que carinhosamente os chamávamos de tacos.

As nossas pipas eram exibidas no céu, coloridos papéis de seda e um lindo rabo feito com fitas k-7 sem uso sonoro. Percorríamos ponto a ponto do quarteirão. Nossas linhas enroladas em latas de leite eram jogadas por cima da fiação elétrica, nada era obstáculo para manter no céu nossas lindas rabiolas. Qualquer desaforo era resolvido no ar, o vento e os urubus eram as testemunhas de nossas disputas para ver quem tinha o melhor cerol. Como era emocionante ver a pipa do outro ser levada para longe e a molecada com os olhos de gavião descobrindo o sentido do vento, correndo desesperados para pegar aquele papagaio que não tinha mais dono, nem linha, nem cerol.

Em tempo de copa do mundo, aquele pedacinho da Travessa Tembéns ganhava uma decoração especial. Muros pintados. Tirinhas da cor da bandeira nacional eram penduradas de um lado ao outro. No dia dos jogos do Brasil, todos se reuniam na garagem do vizinho, mas a comemoração do gol era na rua. Todos saiam das casas para comemorar, gritar, bater panelas, fazer a festa. Contudo, era na rua que também brigávamos. Vira e mexe rolava aquele atrito típico dos adolescentes e o lugar certo para resolver tal dilema era lá, na rua. Era lá que também fazíamos as pazes com abraços e apertos de mãos.

Nosso quarteirão também era palco de devoção e fé. Todas as noites do mês de maio íamos com a Santa em seu andor, enfeitada com rosas naturais e um manto azul, andando, rezando e cantando, levar a padroeira dos paraenses a um novo lar. As velas proporcionavam uma iluminação especial e os hinos de louvores um som diferente daqueles gritos emitidos por nós durante nossas animadas partidas de futebol: passa a bola “delegado”; foi falta filha da puta; a bola é nossa...

Também, fazíamos questão em dividir nosso pedaço de chão com os santos juninos. Santo Antônio, São João e São Pedro ganhavam inúmeras fogueiras. Passávamos a tarde catando madeiras e todos queriam fazer a maior fogueira. Todos ganhavam com a disputa, pois à noite, as fogueiras acesas apresentavam um espetáculo sem igual. No meio da rua, juntos às fogueiras, girávamos a vareta com a palha de aço e estourávamos nossas bombas. No fim do ano, era a vez de São Benedito ter passagem garantida com seus fiéis, seus instrumentos musicais e suas bandeiras vermelhas tremulando no ar.

O lado profano também tinha presença garantida. Os bregas do passado como “Por que brigamos”, cantado por Diana, aprendi sentado a beira da rua. Todo fim de tarde, em um cabaré localizado no fim da nossa rua, um alto-falante alumínio tocava as velhas canções que ainda hoje guardo em minha memória. Em algum ano de década de 1990, não estou lembrado o ano exato, a Escola de Samba Paraíso da Alegria iniciou seu desfile quase em frente à minha casa. A escola de samba tinha um enorme dragão como abre-alas, seguido por um carro alegórico onde duas moças, uma loira e uma morena, sem nada para cobrir os seios, dançavam abraçadas em um jovem vestido em uma pequena tanga. A bateria da escola de samba era pequena, mas suficiente para empolgar os foliões que sambavam animados com o ruído da cuíca, a batida do pandeiro e do tamborim.

Lembro o dia em que passei a primeira vez no vestibular, em 1999. Ao gritar minha aprovação no curso de Geografia, na Universidade Federal do Pará, bati com a mão três vezes seguida na rua, agora asfaltada. Outros vestibulares foram comemorados, podemos afirmar que esse quarteirão é o que mais aprova universitários em nossa cidade, é a verdadeira apoteose dos calouros.

No outubro passado, quando estive em Ourém, fiquei olhando a nossa rua e lembrando todos esses momentos maravilhosos. Os adolescentes de hoje não são como os de nossa época, nem em quantidade, nem em qualidade. Algumas coisas permanecem como os espaços dedicados aos santos em maio, junho e dezembro. A copa do mundo parece que não empolga mais, não vi nenhum muro pintado, os políticos ocuparam os muros deixados de lado pela seleção Dunga. O asfalto substituiu a piçarra, cobrindo as pedras, a terra amarela, as marcas de nossos pés, a história da minha geração que hoje passeia pela rua buscando as impressões de um passado não muito distante, que foi capaz de moldar uma concepção de mundo que carrego comigo junto com todas as memórias acima descritas.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Poesia

Poesia, alma, arma
Versos feitos nos lençóis da cama
Que deitastes comigo para não dormir...

Poesia, nome sem sobrenome,
Coisas que não cabem na vida...


Poesia, fuzil, foice e metralha
Da multidão que passa
Tecendo um manto de idéias vermelhas.
Luz, grito e silêncio,
O sol, a chuva,
E a savana indomável de teus cabelos
Que entrelaçam em meus dedos...


Poesia... Dos barracos do morro
As cenas proibidas da “paz civilizatória”
Do preconceito racial da PM carioca...


Poesia, este amor de mim por ti
Que mistura o desejo 
De usarmos a boca para o beijo
E para a revolta
De haitianos, pobres e negros...


E de usarmos o corpo
Como dois espectros nus e suados
Colados um ao outro,
Mas também como escudo
De um partido para revolucionar o mundo!


[R.T]

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Por dentro da câmera escura

A cortina cinza é embalada pelo sopro do vento que passeia pelo fim do dia. Na janela aparece uma mulher com vista para o leste. Sua ida à janela foi rápida quanto à passagem do vento. Mal pude ver o rosto da mulher e seus cabelos pretos. Rapidamente, a moça fecha a janela. A cortina cinza acalma-se sem se despedir do vento. Uma ruptura brusca, tanto quanto a ruptura da mulher com o horizonte o qual não pode alcançar.

Ao baixar a vista, vi uma senhora com cabelos castanhos amarrados e um sorriso solto no rosto. Cercada por pessoas simples como ela, aquela senhora ajudava a revelar, em meio ao cenário artificial da moderna arquitetura, um cenário real e humano. Diferente da mulher do prédio luxuoso, do apartamento decorado com a cortina cinza, essa senhora sentada em um banco de ferro da parada de ônibus, não olhava para o leste, não buscava nenhum horizonte, só queria ir para casa.

Em meio ao congestionamento, carros, motocicletas, bicicletas e seres humanos. Estes últimos passavam despercebidos. A buzina é a pequena notável neste momento. Uns motoristas confundem sua função de alerta. O som emitido não tem o poder de retirar um carro parado à sua frente. Eu tenho muita fé e esperança que um dia os condutores dos veículos irão descobrir a verdadeira função da buzina e, com certeza, os congestionamentos serão menos estressantes. Enquanto esse dia não chega, a ignorância continuará reinando no espaço entre carros engarrafados e o ser humano continuará passando despercebido, no anonimato.

Na pressa da cidade, com seu ritmo acelerado, sempre correndo contra o tempo, as coisas mais óbvias, podemos dizer, as coisas mais simples, são apagadas do nosso campo de visão. O nosso olhar é construído, condicionado a não ver o óbvio. Dois meninos esforçavam-se no sinal de trânsito para serem percebidos. Somente gritar não basta. É preciso gesticular, mais que isso, é preciso apelar ao malabarismo. Assim fizeram, literalmente. Um subia na costa do outro e tentava, em posições e movimentos extravagantes, executar malabarismo com dois pedaços de madeira com as pontas decoradas com fios coloridos. A cada sinal fechado, o espetáculo era executado. Mesmo com a exuberância, o coração gelado do homem individual não era tocado. Poucos tinham sua sensibilidade remexida. Agora eu pergunto: quantos desses que por ali passaram e depois de assistir o show de malabarismo refletiu sobre a vida dessas duas crianças? O que as levou às ruas? O que significa a palavra futuro, ou melhor, a palavra vida para essas duas crianças? Os carros, as motocicletas, as bicicletas passam e seus condutores pensantes já não pensam mais. Enfim, são condicionados a não pensar e sim impulsionados pela pressa de chegar, só não sei onde. Até agora o ritmo imposto tem nos levado a lugar nenhum.

Segui meu percurso dentro da câmera escura procurando ver o mundo que me cerca de uma outra forma daquela imposta pela sociedade da individualidade e do coração gelado. Procurei ver coisas as quais sou impedido de ver, analisar e compreender. Busquei captar cenas, imagens e momentos com outro foco. Descobri que podemos sim ver o mundo para além da pressa, do ritmo acelerado, dos carros engarrafados, da buzina irritante.

Pare um dia. Entre na sua câmera escura. Escolha as verdadeiras imagens do seu mundo. Garanto a você, este é um bom exercício.