O sábado estava ensolarado, já anunciando a
chegada do verão. O forte calor pedia uma água de coco bem gelada. Assim fiz,
caminhei até a orla, sentei em um quiosque, pedi um coco e fiquei observando o
movimento na praia. Passava das 14h, poucas pessoas transitavam pelo calçadão.
Um senhor de pele clara, estatura baixa, usando uma bermuda jeans desgastada e
uma blusa que um dia tinha sido branca chegou oferecendo picolé caseiro.
Afirmava com todas as letras que era uma delícia, anunciou uma lista de sabores
e concluiu enfatizando o preço, “apenas R$1”.
Continuei tomando minha água de coco,
olhando para a praia. O dono do quiosque tomou coragem e pediu um picolé de
graviola. “Quero ver se é bom mesmo”. O sorveteiro revidou, “se não for bom,
você não paga”. O vendedor de coco chupou o picolé como criança, se lambuzou
todo, segurava o palito com a mão direita e limpava o queixo lambuzado com a
outra mão. O sorveteiro louco para receber o seu dinheiro perguntava
insistentemente, “e aí, gostou?”. O tio do quiosque fingiu que não ouviu e
seguiu enfiando o picolé na boca desdentada.
Assim que terminou de chupar o picolé e
jogar o palito no chão do quiosque, o vendedor de coco olhou para o sorveteiro
e disse, “você deve ganhar muito dinheiro, hein”. Entendi que isso era a
confirmação de que o picolé era saboroso. O sorveteiro para revelar sua
modéstia respondeu, “que nada, quem deve ganhar bem é você com esse quiosque”.
A partir daí, o tio do quiosque iniciou uma longa ladainha reclamando do
dinheiro que paga pelo aluguel do estabelecimento comercial, R$1.200, da taxa
de água e energia. Com cara de enfezado disse que fica por mês com algo em
torno de R$1.500. “Isso não dá pra nada”, reclamou. O sorveteiro concordou, “é
verdade, é pouco mesmo”.
O tio do quiosque colocou a mão dentro de
uma lata de alumínio, pegou uma moeda de R$1 e entregou ao sorveteiro. Depois
de agradecer, verificou se a tampa do carrinho estava travada e seguiu seu
caminho. O tio do quiosque tentou puxar conversa comigo, reclamando novamente
do valor do aluguel que paga ao dono do quiosque, acrescentando a informação de
que o proprietário é dono de mais três quiosques na orla. Eu disse que uns têm
muito e outros não têm nada, mas quando ia aprofundar esse debate de classes com
o tio, fomos interrompidos por duas moças e duas crianças. Estavam na praia e
queriam uma chuveirada para tirar a areia do corpo. O tio tem um chuveiro,
ligado à uma bomba, que jorra uma água fria e potente. Essa delicia de frescor
custa R$1, o minuto.
O tio foi atendê-los, recebeu o dinheiro e
organizou a ordem dos banhos. Voltou para dentro do quiosque, ordenou que a
primeira pessoa se dirigisse ao chuveiro, acionou uma tomada e água caiu fria e
forte. As pessoas se assustam com o volume da água e com a frieza, fazendo com
que dê um salto e um gemido, seguido de uma risada. Foi assim como todas as
pessoas que passaram por debaixo daquele chuveiro durante o tempo que fiquei
sentado em uma cadeira branca de plástico, com as pernas esticadas sobre outra
cadeira do mesmo modelo, da mesma cor.
Quando a última moça estava concluindo seu
banho, apareceu um homem vestindo apenas com um short preto, com uma pequena
bolsa pendurada em suas costas e estava de porre, baforando cachaça, tropeçando em
seus próprios passos. “Eu quero tomar banho”, gritou o bêbado. O tio do
quiosque logo avisou, “paga R$1”. O porre retrucou, “eu pago, pago qualquer
preço”. O tio anunciou, “deixe a moça terminar a vez dela”. O bêbado veio em
minha direção, jogou sua bolsa próximo a cadeira que eu estava sentado e voltou
em direção ao chuveiro. A moça concluiu o banho e o bêbado se deliciou embaixo
do chuveiro como se estivesse encontrado uma fonte mágica, quando ele estava no
auge da degustação, o tio desligou a bomba. O bêbado veio, pegou sua bolsa e
colocou nas costas. Ia embora como se não tivesse que pagar o R$1, que antes
afirmara que pagaria. Aliás, afirmara que pagaria qualquer preço.
O tio gritou de dentro do quiosque, “tem
que pagar o R$1”. O embriagado respondeu, “não pago”. O tio saiu do quiosque,
começou a bravejar dizendo que teria que pagar. Ficou a discussão paga X não
pago. O tio do quiosque segurou o bêbado pelo braço, que sob o efeito do álcool
perguntava, “vai me bater, vai me bater”. O tio reduziu sua fúria e mandou o
bêbado ir embora do quiosque. Ao caminhar três passos, o bêbado gritou, “a
praia é Deus”. Já de dentro do quiosque, o tio gritou mais alto, “mas a bomba é
minha”.
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